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terça-feira, 3 de setembro de 2013

CAMINHO DE SANTIAGO - DIÁRIO DE UM PEREGRINO III

O Caminho que te transforma


Seja qual for seu objetivo, seja qual for sua meta, o Caminho de Santiago vai lhe transformar. Independente de crenças, convicções ou filosofias, há algo transcendental no percurso que vai aos poucos transformando sua realidade. Vez por outra me apanhei fazendo teste de sanidade  mental, tipo contar de um a cem, lembrar nomes de parentes e amigos, só para descobrir se determinada situação estava acontecendo ou se era apenas um devaneio.

A primeira transformação de um peregrino é a descoberta de que ele pode viver bem e confortável com muito pouco. Sai de casa com uma mochila bem pesada. Mesmo tendo lido em diversos manuais que se deve levar poucos objetos, cai na tentação de carregar muita coisa. Imagine você andando 28 quilômetros por dia carregando 15 quilos nas costas! Não deu outra. Fui desfazendo de tudo pelo caminho: livros, manuais, dicionário de espanhol, roupas... A cada albergue que passava deixava algum objeto na caixa de doação e isso me fazia muito bem. Quando cheguei a Santiago de Compostela minha mochila pesava pouco mais de 7 quilos e posso garantir que nada que deixei para trás me fez falta. 

Outra transformação que o Caminho lhe oferece é a valorização do ato da partilha. Por todos os lados você se depara com exemplos de solidariedade que te contamina sem você perceber. Quase que automaticamente você vai compartilhando o que tem seja na caminhada ou nos albergues. Os albergues são mais propícios a isso, principalmente os municipais gratuitos. Em todos há cozinha coletiva onde o peregrino prepara seu jantar e seu café da manhã. Depois de hospedado se vai as compras nas chamadas "tendas". O ato de cozinhar e comer junto com um bando de desconhecidos de várias partes do mundo se transforma em uma festa. Sempre falta um tempero, um azeite, uma verdura, e sempre tem alguém do lado te oferecendo sem que você peça. Há uma grande sintonia. Até parece que um advinha o pensamento do outro.Lembro-me de uma frase dita por um espanhol maluco quer vivia à beira do caminho próximo a Astorga doando alimentos aos peregrinos e recebendo donativos. "Quem não compartilha é como se já estivesse morto. É a morte em vida". Achei muito apropriada essa frase.

Outra transformação importante é a valorização do ser humano. Mesmo sendo propício a realização solitária do Caminho, você nunca está só. Sempre tem alguém que se interessa por você, por sua história, por suas dificuldades. Mais do que nunca você passa a enxergar o outro de forma diferente, seja quem for. Passa a valorizar mais o ser humano independente da sua condição financeira, sua raça ou credo. Cada um tem seu valor, sua identidade, sua história e você vai se embebendo dessa rica fonte durante a caminhada. Depois dessa experiência com certeza você vai ficar mais tolerante, menos exigente e se interessar mais pela existência do outro.

Quer outro exemplo de transformação? Fique 40 dias longe de sua família andando em terra desconhecida, dividindo dormitório com estranhos, fazendo refeições improvisadas, passando alguns perrengues e veja se é capaz de não triplicar o valor dado a ela! 

O ato de andar, andar por lugares desconhecidos e inóspitos, de passar alguma dificuldade já lhe proporciona uma transformação radical. Infelizmente quando estamos na nossa zona de conforto tudo fica banal. As coisas mais importantes da vida passam desapercebidas e inevitavelmente nos tornamos egoístas e mesquinhos. Somente quem passa fome é capaz de compreender a grandeza de se partilhar um pedaço de pão. Daí a importância de fazer uma coisa louca de vez em quando para retomarmos o censo de realidade. Já ouviu a história do pai rico que fez o filho passar por provações de mendigo para ele valorizar mais a vida? É mais ou menos isso.

Não vou falar aqui das transformações espirituais e transcendentais.  Isso já é muito complexo e talvez abordarei no livro que vou escrever sobre o Caminho. Porém, posso te garantir que se um dia tiver coragem de encarar o Caminho de Santiago vai compreender melhor esse mistério.





Na próxima terça feira mostrarei as igrejas seculares que cruzei pelo Caminho.

Um comentário:

  1. Cada vez que leio seu texto e vejo as fotos fico com vontade de fazer esse caminho. Poderia informar quanto custa?

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