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terça-feira, 24 de setembro de 2013

CAMINHO DE SANTIAGO - DIÁRIO DE UM PEREGRINO VI

Sem ufanismo, mas o povo brasileiro faz a diferença


Na terça feira da semana passada falei um pouco das dificuldades do povo espanhol devido a crise que está assolando a Europa. Aqui vou comentar um pouco sobre as principais diferenças entre o espanhol e o brasileiro e nossas reações.

Quando cheguei em Saint Jean-Pied-de-Port na França para iniciar minha peregrinação no Caminho de Santiago, me senti completamente perdido por não conhecer o idioma. Me preparei um pouco para o espanhol, mas o Francês era completamente estranho para mim. Já narrei no meu primeiro texto no Diário de um Peregrino logo no início da caminhada a dificuldade que tive para jantar. No dia 04 de maio após uma noite passada em claro num quarto do Albergue dos Peregrinos pulei do beliche, tomei banho e fui tomar café as 6 da manhã. Estava ansioso para começar o meu primeiro dia de caminhada. 

No refeitório lotado de peregrinos de quase todas as partes do mundo dei uma olhada para ver se identificava algum brasileiro. Estava usando propositalmente um chapéu camuflado com a bandeira do Brasil e precisava urgentemente falar com alguém da terrinha. Para minha decepção não encontrei ninguém. Me dirigi a copeira e tentei perguntar algo sobre o início da rota. Ela apenas abriu os braços demonstrando que não entendia nada do que eu falava em portunhol. De repente um senhor de cabelos grisalhos e bigode se dirige para mim e pergunta em bom português se eu era brasileiro. Respondi que sim e perguntei se também era. Ele respondeu que era alemão mas que viveu por 7 anos no Brasil. Fiquei animado e entusiasmado por achar alguém naquele fim de mundo que falasse português e logo viramos amigos.

Entre uma conversa e outra o alemão que se chamava Michel me contou que trabalhou por 7 anos no Rio de Janeiro numa filial de uma indústria química alemã chamada BASF. Iria iniciar o caminho somente no dia seguinte, dia 05 de maio. Disse que precisaria de mais um dia para se preparar para a jornada. Me falou que ficou apaixonado pelo Brasil e tinha muita vontade de retornar. Acabara de deixar um emprego na Alemanha e o Caminho lhe serviria de reflexão para uma grande decisão. Talvez essa decisão fosse retornar ao Brasil para trabalhar. "Nunca vi um país tão lindo e de povo tão hospitaleiro," disse emocionado. Segundo Michael, na Europa já está tudo feito, tudo consolidado, enquanto no Brasil, tudo está por fazer, daí ser o país das oportunidades para quem quiser trabalhar e crescer. "Além de ser um país muito novo, tem muitas riquezas naturais, quase não tem catástrofes naturais e além de tudo tem um povo fantástico", exaltou Michael. 

Planejei sair no meu primeiro dia de caminhada as 7 horas em ponto, mas me empolguei com a conversa do Michael e quando atravessei o portal que marca o início da caminhada o velho sino da torre da igreja de pedra dava suas 8 badaladas estridentes. Com uma temperatura de 3 graus e um vento gelado subi a primeira ladeira em direção as geleiras dos Alpes franceses. Para me aquecer fui pensando em como o povo brasileiro é realmente fantástico, como nosso país é maravilhoso e nós brasileiros não damos conta disso. Fiquei lembrando dos inúmeros estrangeiros que vem ao Brasil e se dão bem simplesmente porque vem com os olhos abertos e enxergam aqui as oportunidades que nós não vemos.

Já havia lido num manual brasileiro sobre o caminho que o brasileiro é bem visto na rota até Santiago, isso graças a influência do escritor Paulo Coelho que contribuiu para tornar o caminho popular. Pude comprovar isso na prática. Sempre usando meu chapéu com a bandeirinha do Brasil (perdi no meio do caminho) ou minha velha camisa da seleção brasileira, por onde passava era muito bem tratado e sempre ouvia elogios sobre o Brasil. Também fui sacaneado por argentinos que em tom de gozação me falavam que aquela camisa (a da seleção) era proibida no Caminho. Respondia de bom humor que até agora só tinha me dado sorte e sempre acabava sendo convidado para uma "botelha del vino".

A cada dia de caminhada ia observando o comportamento dos peregrinos de outros países, mas meus sentidos estavam concentrados no povo espanhol. No tocante ao tratamento aos peregrinos não tenho o que reclamar. Em toda a rota eles vivem disso, foram preparados e treinados para tratar bem os peregrinos de qualquer parte do mundo. Mas percebi um traço que inevitavelmente fiquei comparando com o brasileiro. O espanhol é frio, cheio de regras e convenções. Chegam a ser grosseiros naturalmente. Se você chegar num bar e o garçom estiver conversando com alguém, você vai ter que esperar que ele termine a conversa para depois te atender. E não adianta você chamar que piora. Ele vai te olhar de cara feia ou responder grosseiramente: um momento! Porém, quando eles te atendem, o fazem com toda a formalidade possível. Até parecem um robô. 

Logo na primeira semana de caminhada enfrentei um trecho muito difícil. Longa distância sem cantinas o que recomendava levar água e lanche. Após 3 horas de caminhada cansativa cheguei numa espécie de encruzilhada onde só tinha uma igrejinha e um bar. Um verdadeiro oásis para o peregrino que está cansado e com fome. Mal chegamos e entramos em grupo no bar em busca de comida e bebida. Um espanhol com cara de poucos amigos gritou mostrando para o relógio: fora, não viram a placa? Aberto as 10 e ainda faltam 10 minutos! Filho da p., pensei indignado. O que custaria nos atender 10 minutos antes? Um brasileiro de São Paulo que encontrei no caminho fez a seguinte observação: "veja só, um trevo desse no meio do caminho, se fosse lá no Brasil já teria uma feira movimentadíssima com tudo o quanto há. Teria até japonês vendendo caldo de cana com pastel. Já aqui tem um único bar e o filho da mãe ainda bota banca para vender". É verdade, respondi. Não é a toa que eles estão amargando a pior crise. Não tem humildade, inteligência e nem a criatividade que nós temos.

Outro dia na cidade de Léon sai para tomar um café. Quando entrei na cafeteria tinha uma moça varrendo o chão e tinha uma daquelas plaquinhas amarelas que indicam chão molhado. Ao me ver, a moça mal educada me mandou sair. Bati com minhas botas bem forte no chão para deixar a sujeira e respondi: é por isso que você vai continuar limpando chão sua infeliz. E saí apressado temendo receber uma vassourada na cabeça. Aprendi uma lição: se estiverem limpando o chão, não entre. Procure outro estabelecimento.

Assim são os espanhóis. Não é que eles sejam maus. No geral é um povo até bom e hospitaleiro, mas foram forjados a ferro e fogo de maneira que se tornaram duros, inflexíveis e fechados. Mesmo com toda a crise que estão atravessando não são capazes de se tornarem humildes, de baixarem a crista. Continuam com aquela peculiar "superioridade" do povo europeu. Mesmo com toda a crise não se movem para romper tradições. Todos os dias fecham seus estabelecimentos na hora do almoço e só abrem depois das 16h. Ao passar pelas cidades nesse horário você vai se deparar com verdadeiras cidades fantasmas. Não encontra nem um lugar para comprar uma água. E estão em crise!

Diante de tudo o que vi fiquei pensando: é por isso que esses gringos quando vem ao Brasil ficam encantados. Realmente a nossa alegria, nossa cortesia e receptividade são contagiantes. O brasileiro não se abate com crises. Sempre dá um jeitinho, sempre usa a criatividade e dá a volta por cima. Se não temos emprego, vamos vender um churrasquinho na esquina. Se o orçamento aperta sempre tem uma alternativa de esticar mais uma horinha de trabalho. De tranco em tranco a gente vai levando a vida e sendo feliz. Não é a toa que os brasileiros estão tomando os postos de trabalho dos espanhóis em toda a Espanha. Todo lugar que tem brasileiro você sente a diferença.


Veja na próxima terça: o que podemos aprender com os espanhóis?





4 comentários:

  1. Cada vez fico com mais vontade de fazer esse caminho. Cada terça fico esperando para ver o próximo capitulo. Quando você vai lançar o livro? Parabéns pela aventura e pela coragem.

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  2. Além das belas imagens o diário do peregrino está nos ajudando a entender um pouco mais de História. Me ajudou a refletir sobre nossas riquezas que as vezes não damos valor. Muito bom. (Albuquerque)

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  3. Realmente o povo brasileiro é diferenciado. Constatei isso quando estive nos Estados Unidos no ano passado. Experimentei na pele como faz falta a generosidade e o afeto dos brasileiros. Muito boa sua matéria. Quero ver o que podemos aprender com os espanhóis. Acho que é nada.

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  4. Foram forjados a ferro e fogo e a cruz da "santa" inquisição. Aqui somos diferentes porque foi a Igreja quem teve que se adaptar. Viva o povo brasileiro!

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