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domingo, 24 de maio de 2020

A REVOLUÇÃO DOS RATOS




By Luiz Vieira

Essa é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com a realidade, será mera coincidência

Parte I

            Tudo estava tranquilo no submundo frio e fétido do esgoto. Ratos e ratazanas viviam no seu ambiente se alimentando dos dejetos que corriam fartamente do mundo dos humanos. Ali, todos eram felizes e viviam em harmonia. Seguiam a ordem para não ultrapassar os limites do esgoto e não adentrar no mundo dos humanos.
            De vez em quando, um ou outro rato rebelde quebrava a rotina e, movido pela curiosidade e atraído pelo cheiro dos humanos, desobedeciam às ordens e saiam do esgoto em busca de aventura e novidade. Geralmente, eram esmagados, pisoteados ou envenenados. Apesar do perigo e das recomendações contrárias, cada vez mais, aumentava o número de ratos rebeldes que ignoravam o perigo de circular entre humanos.
            Um velho rato viciado em queijo, viveu sua vida inteira traçando um plano para se tornar humano e conviver fora do submundo dos esgotos. Em uma de suas aventuras, já bem à vontade na sua incursão na farta cozinha de homens engravatados e poderosos, foi contaminado por uma fatia de queijo envenenado. O pobre rato escapou da morte, mas a mistura do veneno com a saliva de um humano corrupto, provocou um efeito nunca visto antes na história dos ratos: ele começou a sofrer um processo de mutação. Lentamente, foi desenvolvendo as características físicas de humanos. No início, foi uma tragédia. Passou a ser hostilizado pelos seus semelhantes e forçado a viver isolado num canto do esgoto onde todos evitavam passar perto.
            Com o passar do tempo, o que era uma aberração, passou a ser uma atração para os ratos, principalmente para os mais jovens ou para os velhacos que viviam saudosos do tempo em que frequentavam a cozinha do palácio negro dos humanos. Aos poucos, começaram a frequentar aquela área isolada do esgoto e ouvir as histórias do velho rato transmutado. E passaram a chama-lo de MITO.

Parte II

            Cada dia mais popular entre a horda de ratos que almejavam viver entre humanos, o velho rato transmutado ia ganhando mais adeptos. A cada dia, seu físico se parecia mais com humano, enquanto o cérebro continuava de rato. Agora, com o isolamento afrouxado devido a sua popularidade entre os ratos, organizava excursões pelo mundo dos humanos e ensinava os ratos a copiar o comportamento deles. E mais: após tanta insistência, descobriu a combinação que havia lhe causado a transmutação. Agora, ele não estava só. Uma legião de ratos transmutados crescia exponencialmente.
            Animado com seu sucesso e o número de ratos transmutados, o rato chefe que era chamado de mito, traçou um plano para viver definitivamente no mundo dos humanos.
            - Lá é bem melhor e poderemos nos adaptar facilmente. Além de sermos numerosos, encontraremos muitos aliados entre os humanos que pensam quase igual a nós. Vamos dominar geral, e quem sabe, ocupar o topo. Os melhores queijos nos aguardam! – falou o rato chefe aos gritos empolgados dos seus adeptos.
            - Mito, mito, mito...
            O rato chefe ganhou um nome de humano. Passou a ser chamado de Picotauro. Estava cada vez mais entrosado ao mudo humano. Entrou para o exército e, apesar da pouca habilidade e inteligência, mas com muita astúcia, conseguiu ser promovido a cabo. Mas logo foi expulso por indisciplina e por atentar contra a instituição. Para evitar escândalo, o exército optou pela aposentadoria compulsória. Agora ele queria mais. “Quero entrar no centro do poder, onde muitos pensam como eu”. E virou deputado. Lá ficou quase três décadas sem fazer nada, só observando o comportamento de seus pares e aprendendo. Achou tudo muito parecido com sua realidade do esgoto da Ratolândia.
            Picotauro queria mais. Achou que já era hora de dar um passo maior. “Quero estar no centro do poder e mandar nessa porra toda. Empolgado com o sucesso dos seus semelhantes ratos transmutados que ocupavam posições importantes, decidiu pôr em prática seu velho plano. Numa assembleia secreta na galeria central do esgoto, traçou minuciosamente seu plano junto com seus parceiros que já era maioria.
            - Vamos dominar geral essa porra. Chega de viver na sombra. Vamos assumir tudo e nos vingar desses filhos da puta dos humanos que nos pisoteou, nos envenenou, nos esmagou com suas armadilhas cruéis – bradou Picotauro com baba na boca.
            - Mito, mito, mito... – respondia a turba de ratos transmutados como se estivessem em transe, hipnotizados.
            - E para começar, vamos atrair os humanos que mais se parecem conosco. Vamos usar suas ferramentas e seus pontos fracos – falou Picotauro.
            - A internet. Os humanos adoram internet e espalham notícias falsas sem nenhum escrúpulo. A maioria só se informa por essa ferramenta e acredita cegamente – opinou um membro da assembleia.
            - Bravo, muito bem. Vamos usar a internet e espalhar notícias falsas. Vamos fazer com que os humanos se odeiem, se matem. Mas alguma ideia? – Perguntou Picotauro.
            - Meu cabo, notei que muitos humanos tem uma obsessão por armas. Deve ser alguma tara. Vamos aproveitar esse instinto e armar todo mundo. Assim eles terão a falsa sensação de segurança e se matam mais rápido – opinou um rato-humano musculoso e de cabeça pequena.
            - Ótima ideia! Aplausos. Alguém mais? – Respondeu Picotauro sorrindo e fazendo um gesto com a mão direita e o dedo indicador em riste na horizontal como se estivesse atirando. Todos os presentes imitaram seu gesto.
            - Cabo Picotauro, notei que muitos humanos parecidos conosco tem um lado reprimido. São homofóbicos, racistas, machistas, genocidas, misóginos, tem ódio dos seus semelhantes pobres, mas vivem escondidos e disfarçados devido as leis que criminalizam esse comportamento e a perseguição do povo dos Direitos Humanos. Por que não começamos a exaltar e propagar esse comportamento como atitude de quem tem coragem e de quem é verdadeiro? E quem for contra, chamamos de nutela, de mi-mi-mi. Que tal?
            - Muito bem meu filho. Você é foda. Já tá até falando difícil como a escória humana. Há, há, há... – respondeu Picotauro com uma risada sádica de contentamento.
            - Cabo Picotauro, além de usar a internet para espalhar nossas ideias, vamos chamar todo mundo que não concordar conosco de comunista, de esquerdista, de terrorista. E vamos chamar todo universitário de vagabundo maconheiro. E aos cientistas filhos da puta, vamos desacreditá-los, dizer que vivem às custas do dinheiro público para plantar mentira e espalhar o comunismo – falou empolgado um ratão-humano de meia idade cheio de anabolizante.
            - É isso aí. Gostei dessa. Nem sei o que significam essas palavras mas se é para ferrar com os humanos, “tamo junto” – empolgou-se Picotauro. Mais alguém tem outra ideia?
            - Senhores, senhoras, gostei de todas as ideias. Mas temos que encontrar um jeito criativo para enganar os humanos e não assustá-los. Lembrem-se de que antes de exterminar com essa raça de “estrumes”, precisamos deles para a nossa causa – falou uma voz dissonante no fundo da assembleia.
            - Muito bem senhora. Até que enfim, uma ratazana fala algo que se aproveite. Explique melhor – falou Picotauro com ironia.
            - É o seguinte: temos que ter algum grupo humano que nos dê cobertura e ajude a legitimar nossas ideias. Vamos usar as igrejas, vamos ocupar os templos e convencer as almas mais fracas e ambiciosas para a nossa causa – respondeu a ratazana do fundo da galeria vestida como uma devota e com uma Bíblia na mão.
            - Bravo, bravo, bravo. Aplauso para a nossa membra ilustre. Agora você será nossa representante nisso aí – gritou histericamente Picotauro espalhando perdigoto. – E agora vamos deixar de conversa e vamos partir para a prática. Soldados, patriotas, vamos ao ataque. Abaixo os humanos!
            - Mito, mito, mito... – Gritava a turba de ratos transmutados como um exército de zumbis.

Continua?
Não sei.