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segunda-feira, 20 de maio de 2013

DIÁRIO DE UM PEREGRINO

Lembranças políticas no Caminho


16 de maio. 13º dia de caminhada.


Enquanto lavo o rosto dou uma olhada no espelho e nao gosto nada do que vejo. Estou magro e com uma barba quase toda branca. "Você é muito bonito brasileiro". Bonito uma ova. Estou com cara de Sao Francisco. (Nao querendo comparar a santidade claro!)
Saio bem cedo para aproveitar melhor a primeira etapa do dia. Acordei bem e disposto. 13º dia. Quem diria? Engraçado como o corpo vai se adaptando! No começo quando chegava no albergue todo em frangalhos, jurava que nao daria conta de caminhar no dia seguinte. No outro dia, lá estava eu, refeito e pronto para mais um dia. Parece que o Caminho de Santiago tem essa magia. Você tem vontade de seguir em frente. Quando chegamos no final de uma etapa é como se tivéssemos concluindo uma maratona e alcançado o 1º lugar. Se tivéssemos condiçoes físicas pularíamos de alegria. Geralmente todos jantam juntos no albergue. Nao vemos ninguém triste. Apesar de estarem todos cansados, o astral é muito bom. Todos se confraternizam. O bate-papo rola solto, talvez motivado pelo vinho, e mesmo em múltiplas línguas todos nos entendemos. Coisas de Santiago.
Hoje o caminho nao tem muita novidade. Dessa vez nao tem muita ladeira e nem tantas pedras. Passo pelas ruínas de San Antonio, um lugar muito bonito e místico. Por um bom percusso ando numa trilha paralela a rodovia N-120. Muito barulhenta, intenso movimento de caminhoes e cheiro de monóxido de carbono. Num povoado paro e compro um par de luvas que ajudam muito. O frio é tao intenso que os dedos quase congelam.
Numa encruzilhada do caminho tem um senhor vendendo lanche. Compro um pao com jamon (uma espécie de presunto) e uma coca. O pao está muito duro e o jamon tem gosto de carne velha. Como só a metade e completo o almoço com uma banana e uma laranja. De repente sinto minha mao direita muito fria. Olho e percebo que perdi a luva. Deve ser quando tirei da mao para fotografar a paisagem. O vendedor me ofereceu uma luva que alguém tinha deixado. Muito pequena. De repente surge um senhor e me vendo só com uma mao coberta me mostra a outra luva que ele achou no caminho. Por coincidência era um brasileiro do Rio Grande do Sul. Eis minha luva de volta para felicidade de minha mao direita.
Às 15 horas chego em Boadilla. O 1º albergue estava lotado. O 2º só tinha colchao no chao. Dessa vez topei. Nao queria correr o risco. A entrada do albergue dá até medo. Um portao velho de madeira e uma placa velha mal pintada com o nome do albergue que nem me lembro. Por dentro o lugar é encantador. Um jardim muito bonito e a decoraçao com motivos medievais. Um rapaz vendo meu chapéu com a bandeira do Brasil se apresenta como Dudú, um dos donos do albergue. Fala português e diz que conhece bem o Brasil. Lembra bem de Belém e da tapioquinha que comeu em Salinas. Agora me deu água na boca.
Apesar da pousada ser bonita, o serviço é pessimo. Uma bagunça geral. 
Tomo um banho e me sinto renovado e disposto. Antes de jantar resolvo escrever no meu diário. "Querido diário..." Êpa! Que história de querido diário é essa? Nem na minha adolescência tinha disso. "Prezado caderno..." Também nao. Tá muito afrescalhado. O que está acontecendo? O cérebro está batendo pino. Será que foi o excesso de monóxido de carbono que respirei na N-120? Mas vamos direto ao ponto:
Hoje no caminho meus pensamentos foram invadidos por política. Tentei várias vezes me esquivar mas nao teve jeito. Contava até 100 e lá estava eu novamente pensando em política. Deve ser pelo numero 13. Hoje 13º dia de caminhada e eu pensando no PT. Lembrei quando cheguei em Parauapebas, em 1987. Nossa cidade era apenas uma pequena vila de Marabá. Quando cheguei fui logo procurando algum simpatizante do PT. Naquele tempo era assim. Éramos uma irmandade, uma confraria de loucos e sonhadores. Em Marabá já havia participado de algumas reunioes de fundaçao do PT, entao já cheguei em Parauapebas com alguma experiência. Encontrei a Dona Carmelita, militante social da Igreja Católica. Uma velhinha porreta que eu já gostei de cara. Conheci outras pessoas como seu Artur, Barbudo, seu Jaime, Odílio e outros nomes de corajosos guerreiros. Naquele tempo eu era muito jovem, idealista e sonhava em participar de uma revoluçao socialista. Ser petista naquele tempo requeria muita coragem. Hoje é moda. Queria ver na década de 80, 90 onde éramos apontados como subversivos, loucos, baderneiros, terroristas e outros adjetivos. Lula era a grande besta-fera que comia criancinhas, que queria acabar com as igrejas, tomar as propriedades dos brasileiros e mudar a bandeira do Brasil. Assim a elite fazia os mais desavisados acreditarem.
Era barra pesada se assumir como petista, mas era muito bom. Éramos irmaos que compatilhávamos os mais nobres sentimentos. Nos sentíamos amparados e protegidos. Lembro bem da primeira campanha para prefeito. Dona Carmelita candidata a prefeita e Pimenta a vice. Era muito hilário. Nosso palco era um caminhao madereiro velho de um companheiro que nem tinha o lastro da carroceria. Improvisamos umas tábuas para ninguém pisar no eixo. Os comícios eram bem animados. Uma platéia de uns 20 militantes e outros curiosos que paravam para olhar aquela cena exótica. Microfone? Que nada. Era no grito mesmo. Fazíamos de tudo para chamar a atençao do povo. Eu com meu violao tocava o hino da Internacional Comunista e o hino do Movimento de Libertaçao da Nicarágua (em espanhol - nao sei como, mas cantava em espanhol). Só sei que a platéia gostava e até aplaudia. Tinhamos consciência que nao ganharíamos nada, mas o importante era deixar nossa mensagem de uma nova sociedade. Sabíamos que nossa vez iria chegar.
Como era bom ser petista naquele tempo. De tanto tentar chegamos ao poder. Primeiro com Lula em Brasília e depois com Darci aqui em Parauapebas. 
Paro para admirar as ruínas de San Antonio e tiro uma foto. Lugar de muita história. Fico imaginando o que já deve ter acontecido naquele lugar. Tento desviar meus pensamentos mais uma vez e sem perceber estou pensando no ano 2000. Com o sucesso do governo Lula vimos a possibilidade de governar Parauapebas em 2008. Começamos a traçar a estratégia. O Diretório escolheu por unanimidade o meu nome para ser o candidato a prefeito. A estratégia era a seguinte: disputaríamos as eleiçoes de 2000 para prefeito, 2002 para deputado, 2004 para prefeito novamente para em 2008 vir com tudo para vencer. Sabe quem foi o principal articulador do meu nome? Ele mesmo. O ex-prefeito Darci. Depois de muito debate convenci a todos que meu nome nao seria ideal para a nossa estratégia. Eu nao tinha carisma, nao tinha o traquejo para uma campanha e nao sabia ser popular. Defendi que o nome ideal para ganhar a eleiçao seria o do Darci. Esse sim, era do tipo que saia para comprar carne para o almoço e se perdia em bate papo com as pessoas na rua e chegava em casa a noite sem a carne.
Enfim, nossa estratégia alcançou a vitória antes do planejado. Em 2004 o PT venceu a eleiçao para prefeito numa disputa apaixonante que talvez nao vejamos outra em 100 anos. Chegamos ao poder e agora? Aí já é outra história. Já estou ocupando demais meu diário com história política quando o objetivo aqui é outro.
Naquele tempo era muito bom ser PT. Ah que saudade! 

3 comentários:

  1. Pois é seu Luiz, verdade seja dita, o tempo não pára e o que foi feito está feito, não tem volta. Mas acredito que ainda será possível voltar a ser bom/gostoso ser PT. Algumas pessoas de pouco ou nenhum escrúpulo, outras, encantadas com o poder e outras movidas apenas por interesses pessoais descaracterizaram o partido e jogaram por terra uma história bonita construida com paixão e muita luta. Isto veio de cima e surtiu o chamado 'efeito dominó'. Parauapebas seguiu o exemplo, leu e interpretou direitinho a cartilha dos desonestos companheiros. Que bom que você saiu ileso (bem, é o que eu quero acreditar). "O que foi feito está feito, não tem volta". Não podemos viver de saudosismo, mas se há esperança, interesse e boa vontade, quem sabe poderemos retomar a caminhada e reconstruir um novo PT? Já temos a chave e o melhor, sabemos qual é a porta; não precisamos mais tatear e dar o passo no escuro. Vamos nessa? Caminhe e pense. Bom dia.

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  2. Faltou uma foto que marque este trecho - das ruínas, quem sabe. Boa sorte.

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  3. Olá anônimo das 09:39. Aí está a foto que você pediu. Obrigado pela sugestão.

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