Pesquisar este blog

segunda-feira, 13 de maio de 2013

DIÁRIO DE UM PEREGRINO

Experiências do 7º dia de caminhada

(Esse teclado também nao tem til)


Após passar a noite com a "bruxa" que perturbara meu sono jogando no celular, saí bem cedo com muita disposiçao para caminhar. O caminho é em sua maioria entre plantaçoes de uvas. Fiquei imaginando o período da safra, todos aqueles parreirais carregados de uvas e os peregrinos se deliciando. Bateu um desejo enorme de comer uvas, mas como nao tem, no próximo povoado vou tomar um vinho. Aliás, vinho por aqui é uma obrigaçao. Passei por várias bodegas (como se chama aqui as fábricas de vinho) Na refeiçao quando você pede o menú, eles já colocam na mesa um cesto com pedaços de paes e uma garrafa de vinho. No começo estranhei bastante. Achei que eles tinham errado o pedido já que nao havia pedido nem pao nem vinho.
Muita ladeira e muita pedra no caminho. Começo a ficar cansado. A mochila pesa nas costas e os joelhos doem. Começo a sentir frio, muito frio. Paro e tiro da mochila o anorak (blusao para chuva) e visto. Nao adianta muito. Peregrinos passam por mim como se estivessem andando no Polo Norte de tao empacotados que estavam.
Próximo a cidade de Logroño avistei uma mesa na beira do caminho. Uma senhora simpática me chama: "brasiliero, brasiliero, venha carimbar su cridencial". Pensei, ué, como ela sabe que sou brasileiro? Será que tenho cara de brasileiro assim? De repente me dou conta que uso um chapéu com a bandeira do Brasil e todos no caminho me identificam facilmente. Encostei, entreguei minha credencial do peregrino e ela carimbou. Perguntei quanto era, já que só carimbamos a credencial nos albergues. Nao é nada. Respondeu. Se quiser pode comprar uma lembrancinha. Comprei uma pulseira com o símbolo do caminho e paguei 3€. Perguntei seu nome e cometi a indelicadeza de perguntar a sua idade. Se chama Maria e tem 80 anos. Inacreditável! Disse que está ali ha uns 30 anos e já viu muita coisa. Muitos brasileiros passam por ali. É tudo gente boa, gente alegre, falou dona Maria. Já viu muitos casamentos e luas-de-mel no Caminho de Santiago. Nunca foi lá, pois tem saude frágil e catarata que lhe impede de enxergar direito. Fiquei ali um tempo escutando as histórias de dona Maria. Vez por outra ela parava e enxugava os olhos cheios de lágrimas. Enfim, pedi-lhe para tirar uma foto, me despedi com um abraço e segui.
Entrei na cidade de Logroño por volta de 12 horas. Um painel eletrônico indicava 11 graus de temperatura. Um vento gelado invade minha pele como dardos cortantes. A sensaçao é de zero grau. Minhas maos estao congeladas. Tento enfiá-las nos bolsos do anorak mas nao consigo. O ziper é como navalha que corta. Entro numa lojinha que tem a vitrine cheia de produtos para peregrinos. Ví um casaco de frio que custa 69,95€. Olho em volta para ver se consigo um mais barato. Nao tem. Cometo uma extravagância e compro. Vesti e senti a diferença do meu corpo aquecido. Agora sim, posso seguir adiante.
Atravesso um parque chamado Parque de La Grajera. Um lugar muito bonito. Um grupo de idosos tomam vinho numa mesa de madeira sob as árvores. No lago muita gente pescando. Mais adiante uma escola rural. Estava no intervalo e muitas crianças faziam algazarra. Paro por um instante e fico observando. É bonito de se ver!
Andei 32 km. Hoje bati o récord. Entro numa cidade chamada Navarrete e começo a peregrinaçao em busca de albergue. Já era tarde e todos estavam lotados. Entro num hotel, lotado. A moça da recepçao me indicou o Hotel San Camilo que ficava mais a frente. Saí quase desesperado com medo de nao encontrar onde dormir. Com aquele frio, dormir no saco nao estava nos meus planos. A cidade tem muitas ladeiras e minhas pernas já nao me obedecem. Meus ombros, joelhos, dedos, tudo dói. Lembro do seu Franco e sorrio da situaçao. Chego ao Hotel San Camilo, olho, fico com medo de entrar. Pela aparência deve ser muito caro. Nao tenho opçao e vou logo perguntando: Tienes una vaga? Sin, Sin. Usted es solo? Sim, só eu, respondo aliviado. Entrego meu passaport, preencho a ficha e subo para o apartamento. Um luxo! Tinha até banheira com hidro massagem. 
Resolvi que teria uma noite de rei e acordaria tarde. Meu corpo precisa de descanso.
11  de maio. Acordo tarde com o corpo descansado e a alma aliviada. Desço e tomo um café bem reforçado pela primeira vez. O bacon está quase crú e com uma aparência horrivel. Lembro do livro que estou lendo "nao há dia fácil" O comandante da operaçao que matou Bin Laden conta que comia bacon cru para armazenar energia antes das incursoes que fazia a pés. Como bastante com ovos. Até que está bom. Nesse dia saio para a caminhada as 11h e 45 minutos. Uma excessao. Ah! Paguei pelo luxo do hotel 70€.
Nesse dia encontrei o brasileiro Pedro pela 3ª vez. Estava sentado à beira do caminho com um grupo. Pela 3ª vez estava com a mesma camisa da seleçao brasileira. Fiquei preocupado com ele, pois estava muito debilitado. Mal conseguiu levantar a mao para me cumprimentar. Me despedi e segui adiante. O Caminho de Santiago é assim. Você vai encontrando e reencontrando pessoas. O grande desafio é chegar lá. Ando com fé, com força. Cada vez que desanimo penso nos velhinhos que também estao caminhando. Muita saudade de casa, muito entusiasmado com tudo que estou aprendendo.

3 comentários:

  1. Qualquer coisa, lembre-se do Gilberto Gil: "A fé não costuma faiá". Ah, a propósito, acho que a mesa estava "sob" as árvores. E depois, por que não aproveitou a parada na escola rural para exercitar um pouco da pedagogia? Boa caminhada.

    ResponderExcluir
  2. Há, há, há. Valeu pela correção. Uma mesa sobre as árvores nem no Caminho de Santiago que acontece quase tudo. Pra falar a verdade fiquei c vontade mesmo de exercitar minha pedagogia.

    ResponderExcluir
  3. Mto bom. Achei interessante a sua decisão de fazer este percurso. Algo que me instigou a fazer tb nos proximos anos. Deve ser cheio de Histórias do velho mundo. rsrs Seu primo, Antonio Filho Aquino (toninho - meu tio), estava aqui em Parauapebas e comentei sobre a sua aventura. Força e boa sorte. (Wilder Leal)

    ResponderExcluir