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sexta-feira, 17 de agosto de 2018

O ESCRITOR VOLTA A EMPUNHAR A ESPADA (CANETA)

Olá meus caros leitores. Tanto tempo sem postar nada aqui e resistindo as cobranças. De vez em quando é bom se ausentar um pouco para repensar conceitos e rever prioridades. E uma das minhas prioridades será mudar minha linha editorial. Deixar de escrever jamais, pois seria o mesmo que deixar de respirar. 

Após o processo de formação em Coach Integral Sistêmico que passei, muitas coisas mudaram. Sinto-me mais confiante, renovado e apaixonado por essa nova profissão. Assim, minha escrita tem que ser mais útil e voltada para ajudar pessoas a crescerem e se desenvolverem.

Inicio oferecendo a vocês um pequeno trecho do meu livro sobre o Caminho de Santiago de Compostela que ainda não tem título. Ainda está em fase de conclusão e em dezembro será lançado para todo o Brasil.

Sente-se, relaxe e venha voar comigo. Boa leitura.


Um papo reto com Ana

Eis a questão. Você é águia e não pode fugir disso. Olhando para o horizonte você enxerga o todo, enquanto as pessoas comuns olham apenas para baixo e sentem medo, veem apenas as pedras.

            - Qual a razão de você sair do seu país e estar aqui caminhando nessa terra estrangeira sem ao menos dominar a língua? – Ana perguntou-me, parando em minha frente e olhando nos meus olhos deixando-me encabulado.
            - Não sei. Francamente não sei. Dias atrás, responderia que buscava aventura. Agora já não sei mais o que busco – respondi desviando o olhar.
            - Não seja tímido meu bom peregrino. Busque no seu coração. Esqueça um pouco a razão e pergunte ao seu subconsciente. Verás que você não veio se aventurar aqui por acaso. Há uma força que moveu você até aqui e você terá que descobrir, para que tudo isso tenha sentido.
            - Já passei por tanta coisa nesse caminho que nem sei mais o que é real ou o que é ilusão – falo contendo o desejo de falar-lhe sobre os passos misteriosos que me seguiam até ela aparecer. No fundo sinto medo de passar por ridículo ou de descobrir que aquela mulher não passa de uma miragem, um fantasma em meu caminho.
            Desde que encontrei-me com essa mulher de nome estranho, a qual chamo de Ana, passamos a conversar como se fôssemos dois velhos conhecidos. Depois que ela me ensinou a usar o cajado de forma correta e andar a passos curtos, sempre olhando para frente, meu caminho tornou-se mais suave. Porém, o mais agradável foi a conversa. Ana abordava diversos e variados temas com a autoridade e a segurança de uma pessoa que já vivera mil anos. E o seu tom de voz não tinha nada de arrogante e nem de intimidador. Falava com franqueza, com a sabedoria de uma mestra, e através de perguntas diretas, deixava-me a vontade para expor meu ponto de vista. Tive o desejo de caminhar sem parar ao seu lado até chegar a Santiago de Compostela. Certamente, aprenderia muitas coisas e tornar-me-ia uma pessoa melhor.
            - Às vezes meu amigo, o real e o ilusório se misturam em nossa mente só para aguçar os nossos sentidos. Veja essa natureza! Isso se parece real para você? Toda essa paisagem que estava coberta de gelo há poucos dias, logo estará totalmente diferente, como uma ilusão de ótica. Essas folhas vão cair e um calor sufocante substituirá esse clima frio. Isso lhe parece real?
            - Realmente, tudo isso parece loucura. É impressionante que já passamos milhões de anos e os homens ainda não chegaram a uma conclusão sobre o autor dessa obra. Cientistas estudados e referendados, religiosos e outros intelectuais ainda divergem sobre as diversas teorias da criação – falo confuso.
            - Agora você está demonstrando seu lado filosófico – comentou lisonjeira. - Mas, o mais importante não é ficar se perguntando quem fez tudo isso. A busca por essa resposta já causou guerras sangrentas e inúteis em nome de Deus, já causou sofrimento e intolerância a pessoas com boas e más intenções. O importante é admirar e usufruir dessa obra tão perfeita que é a natureza. É respeitar e preservar acima de tudo. O Deus criador está dentro de você, está nas suas crenças, está nas suas virtudes. E essa fagulha divina faz com que você respeite todas as formas de manifestações de fé e não veja apenas a sua como verdadeira.
            - Quanto a isso, estamos de acordo. Também repudio qualquer forma de intolerância, principalmente a religiosa. E sobre a sua pergunta sobre o que me trouxe ao caminho, aos poucos estou descobrindo que busco a minha identidade. Já estou próximo de chegar a meio século de vivência e às vezes sinto-me bem confuso quanto a minha personalidade.
            - Explique melhor – instiga Ana interessada.
            - É que às vezes sinto-me um ET no meio das pessoas. Tudo o que aprendi sobre valores humanos, sobre honestidade, solidariedade, ética, parece que não têm nenhum valor hoje em dia. A impressão é que tenho que desaprender tudo para me encaixar na realidade das pessoas e ser aceito pelo grupo – divago.
            - Sei como é isso. No meio de tantas imperfeições, no meio de tantas nulidades temos a sensação de que estamos errados e que os tolos estão certos. Aí sentimo-nos isolados, discriminados – destaca Ana com um semblante sério.
            - Por isso, muitas vezes pergunto se não estou errado e a maioria está certa. Sempre que agi de forma correta, sempre que segui os parâmetros que acredito serem corretos, consegui desagradar muito mais. Noto que as pessoas que vivem sob uma ética mais subjetiva, que aplicam o famoso, como se diz no meu país, o “jeitinho brasileiro”, os que cometem alguma irregularidade, conseguem agradar mais e agregar mais pessoas.
            - Bem-vindo ao clube Luiz Vieira. Você não é o único que se sente assim e não será o último. Em uma sociedade construída sob a ótica do “ter” e que ignora o “ser”, pessoas como você terão que pagar o preço. E tenho certeza que você sempre pagará, pois, por mais que tente, não conseguirá ser outra pessoa. Duvido que descobrirá após trilhar o Caminho de Santiago que deve se tornar mais um medíocre só para se encaixar na sociedade!
            - É isso que pergunto-me o tempo todo Ana. Fico confuso e achando que não vale a pena pensar e agir corretamente e ao mesmo tempo desagradar a tanta gente – questiono indignado.
            - Como disse, você não é o único e nem será o último Luiz. Sem querer fazer nenhuma comparação lembre-se de Nelson Mandela, Martin Luther King, Sócrates, Tiradentes (no seu país), Jesus e o próprio São Tiago e tantos outros. Eles viveram em conflitos e foram perseguidos e mortos por serem pessoas que pensavam além do seu tempo. Se eles tivessem se acovardado e recuado como muitos fazem, a história não seria a mesma.
            - Mas eu não quero ser herói e nem mártir – protesto assustado com a dimensão.
            - Essas pessoas que eu citei também não queriam. Suas mortes foram apenas frutos da intolerância, da ignorância, da estupidez. Foram vítimas do contexto histórico de suas épocas. No entanto, percebe que elas nunca morreram? Continuam vivas em nossos pensamentos e influenciam o comportamento de várias gerações. Ao contrário daquela gente que matou seus heróis e continuam matando até hoje, e não passam de cadáveres andantes, de gente morta que fala, que anda e que respira um ar fétido.
            - Isso quer dizer que vivemos entre mortos?
            - De certa maneira sim. Só que temos uma missão de trazer esses mortos à vida, de proporcionar o milagre da ressurreição todos os dias. E esse milagre acontece exatamente quando homens e mulheres como você têm a coragem de difundir ideias, pensamentos novos, de promoverem a transformação, de se inquietarem com as injustiças, de se rebelarem contra a hipocrisia, de buscarem a paz verdadeira. Essa é a nossa missão mais bela e contraditória – esclarece Ana sempre com uma aura de sensatez.
            - Contraditória? Como assim? – pergunto confuso.
            - Exatamente. Nós precisamos ressuscitar os mortos e os mortos querem continuar mortos e acabam nos engolindo – fala de uma forma enigmática enquanto me puxa pelo braço para um desvio no caminho que leva à beira de um precipício. Para perigosamente bem próximo a um despenhadeiro e me pede para que eu observe atentamente o horizonte sem olhar para baixo. Não resisto, olho para baixo e sinto vertigem. Ana segura meu braço com mais força e ordena vigorosamente: - Eu disse para não olhar para baixo. Olhe apenas para frente.
            Concentro-me e fixo os olhos no horizonte. Aos poucos vou relaxando e esqueço o medo. No início, pensei na possibilidade de ser empurrado ali por aquela estranha. Agora sinto a confiança na mão que segura fortemente meu braço esquerdo e entrego-me completamente àquela sensação.
            - Agora feche os olhos Luiz. Solte sua respiração e procure enxergar o que viu antes, só que agora com os olhos fechados – ordena num tom solene.
            Obedeço e concentro-me nesse exercício. No início não consigo ver nada além da escuridão. Aos poucos, aquela imagem vai aparecendo em minha cabeça, só que de outro formato. É como se eu estivesse assistindo a um filme em três “D”. Vejo uma cadeia de montanhas, algumas plantações, algumas casas ao longe, bosques coloridos e uma trilha que se parece uma linha disposta em caracol.
            - Pode descrever o que está vendo Luiz? – pergunta Ana numa voz branda.
            Descrevo em detalhes a bela paisagem que consigo visualizar.
            - Agora abra os braços – ordena enquanto solta meu braço esquerdo. – Sinta o vento batendo em seu corpo. Continue com os olhos fechados e voe por essa paisagem.
            Meus pensamentos voam e sinto meu corpo flutuar. Meus pés continuam firmes no chão à beira daquele precipício, mas tenho a sensação de estar planando, vendo tudo de cima, indo em direção ao infinito. Não sei por quanto tempo voei, mas sei que foi a melhor sensação que senti e queria continuar com aquela viagem. Voltei à realidade quando Ana segurou novamente meu braço e puxou-me para trás.
            - Você me descreveu uma bela paisagem enquanto voava. E agora, olhe para o chão e diga-me o que vê.
            - Vejo apenas pedras e uma paisagem árida.
            - Eis a questão. Você é águia e não pode fugir disso. Olhando para o horizonte você enxerga o todo, enquanto as pessoas comuns olham apenas para baixo e sentem medo, veem apenas as pedras – fala com um sorriso iluminado.
            - Sou águia – repito convencido.
            - Sim. Alce sempre seu voo, mas não com o objetivo de enxergar as coisas de cima para baixo, mas para enxergar o todo, o conjunto. Assim, cada vez mais desenvolverá sua capacidade, seu autoconhecimento, e aprenderá a conviver com as diferenças. Não adianta querer ser como quem vive na superfície da mediocridade que você não vai conseguir. Você é o que é – sentenciou.
            - Isso quer dizer que eu não posso mudar? – pergunto confuso.
            - Claro que pode. Somos seres em constante mudança. Até a natureza muda, se transforma a cada segundo. Imagine nós que somos parte dessa natureza! Mas observe que mesmo com as constantes transformações, a essência da natureza é, e sempre será a mesma. Mesmo tendo que se adaptar às condições climáticas, uma árvore sempre utilizará suas raízes para absorver os nutrientes e para se fixar à terra. E isso nunca muda, pois essa é a sua essência. Se não fosse assim, não seria árvore.
            - Isso é muito profundo Ana. Nunca tinha ouvido ou pensado em tal reflexão. Mas convenhamos, é muito difícil e doloroso ter visão de águia em terra de cegos.
            - Com o tempo você vai aprendendo a assumir essa posição até que não será mais doloroso. Se contente com um passo de cada vez, seja menos rigoroso consigo mesmo, tenha mais paciência com as pessoas que não nasceram com o privilégio de enxergar como as águias. E lembre-se: você é o que é e os outros são o que são. Com um pouquinho de paciência você vai irradiando sua luz e vai ajudando a ressuscitar muitos “cadáveres” – fala puxando-me pelo braço de volta ao caminho.
            Caminhamos por alguns minutos em silêncio. Depois tive o pressentimento de que aquela mulher não ficaria muito tempo comigo. Então resolvi explorá-la mais um pouco e extrair todo o néctar do conhecimento. Conversamos longamente sobre vários assuntos, os quais prefiro guardar comigo, ou quem sabe, divulgarei daqui a alguns anos, quando sentir que minha geração estará mais preparada. Por enquanto, guardo seus ensinamentos e aos poucos vou digerindo. Sou águia e não posso fugir dessa missão, por mais que não seja compreendido.

            Enfim, nossa caminhada chegou ao fim numa encruzilhada do caminho, próximo a Ponferrada onde nos despedimos. Sigo sozinho, mas com a sensação de que Ana sempre estará comigo. De vez em quando escuto sua voz me dando conselhos ou toques.


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