Eterno Maluco Beleza
Hoje, 21 de agosto de 2014, completamos 25 anos desde a morte de Raul Seixas. Sempre nessa data sinto uma tristeza, uma nostalgia e ao mesmo tempo, sinto alegria de ter tido o privilégio de conviver com a obra de Raul na minha infância e juventude. Nossa geração teve esse privilégio e a geração dos meus filhos nunca terá. Jamais existirá outro Maluco Beleza. Qualquer imitação não chegará a ser nem um borrão do que foi a mente mais brilhante, mais instigante que o século XX já conheceu.
Acordei decidido a escrever um texto inédito para homenagear esse ícone da música brasileira. Enquanto pensava no que escrever senti uma sensação estranha. De repente senti um comichão na espinha dorsal, meus olhos embaçaram e um calor tomou conta do meu corpo. Frases do Raul brotaram automaticamente do meu cérebro enquanto meus olhos vertiam em lágrimas. Não sei de onde surgiram tantas frases e tantas lágrimas. Tive certeza que Raul estava aqui me "dando o toque". Então decidi abandonar as pesquisas e escrever apenas o que saia da cabeça. Foi muito fácil. As músicas do Raul são histórias vivas, vibrantes que mostram o homem que foi e o que queria ser. Espero que todos os malucos belezas curtam.
Raul Rebeldia
"Faze o que tu queres há de ser tudo da lei. Viva! Viva"! (Sociedade Alternativa). Raul Seixas já nasceu rebelde. Garoto inquieto, desde cedo começou a rabiscar suas primeiras músicas. Compôs Metamorfose Ambulante aos 14 anos de idade. Baiano de classe média, não queria seguir o figurino dos outros meninos de sua idade. Resolveu botar para quebrar e quebrar todos os paradigmas da sua época.
Na escola Raul Seixas não teve boas experiências. Reprovou por várias vezes na segunda série. Seu pai tentou até um colégio religioso mas não surtiu efeito. Ele próprio falava que na escola não achava o conhecimento que buscava. Ao invés de estudar, gastava grande parte do tempo ouvindo rock and rool na loja Cantinho da Música. O que aprendeu foi com a música, com os livros e com as experiências das ruas. Um leitor voraz, influenciado pelo pai Raul Varella que tinha uma vasta biblioteca, devorava toda espécie de livros, mas se interessava particularmente por filosofia. Quando adulto, resolveu provar para o pai que estudar era apenas um detalhe, que tinha inteligência, mas que a escola careta não era suficiente. Fez vestibular e passou para direito. Estudou até dar um diploma ao pai. A partir daí se dedicou exclusivamente a sua maior paixão: a música.
Além da música sociedade alternativa, mosca na sopa mostra esse espírito inquieto, insubordinável e contestador. "Eu sou a mosca que perturba o seu sono, eu sou a mosca no seu quarto a zumbizar. E não adianta vim me dedetizar, pois nem o DDT pode assim me exterminar, se você mata uma e vem outra em meu lugar". (Mosca na Sopa). Raul é assim. Espírito rebelde que incomoda, que derruba a ordem, que sacode o comodismo, que escancara a hipocrisia e expõe a verdade nua e crua de forma desconcertante.
Com a música Cowboy fora da lei ele dispara: "Mamãe não quero ser prefeito, pode ser que eu seja eleito e alguém pode querer me assassinar. Eu não preciso ler jornais, mentir sozinho eu sou capaz, não quero ir de encontro ao azar". Aqui ele debocha do poder de cartas marcadas. Sua sociedade alternativa não tinha espaço para poder, para opressão. Era um anarquista convicto.
Na música As Aventuras de Raul Seixas na cidade de Thor, Raul critica o sistema capitalista e expõe suas armadilhas. "Tá rebocado meu compadre, como os donos do mundo piraram. eles já são carrascos e vítimas do próprio mecanismo que criaram. O monstro SIST (sistema) é retado, e tá doido pra transar comigo. E sempre que você dorme de touca ele fatura em cima do inimigo". Com sua irreverência falou de forma simples e bem humorada o que filósofos, economistas e sociólogos não conseguiram.
Meu amigo Raul era assim. Nunca se acomodou, nunca se entregou. "Tente, e não diga que a vitória está perdida. se é de batalhas que se vive a vida, tente outra vez". (Tente outra vez). Mesmo quando estava no auge do sucesso nunca se acomodou e desprezou os princípios burgueses-classe-média. "Eu devia estar contente porque tenho um emprego, sou o dito cidadão respeitável e ganho quatro mil cruzeiros por mês". (Ouro de tolo). E segue sempre em frente falando: "Não pare na pista, é muito cedo pra você se acostumar. Amor não desista, se você para o carro pode te pegar". (Não pare na Pista). Além de nos induzir a seguir em frente, Raul nos convida a ousar, a buscar o novo, a exercitar a curiosidade. "Na curva do futuro muito carro capotou, talvez por causa disso é que a estrada ali parou. Porém atras da curva perigosa eu sei que existe, alguma coisa nova, mais vibrante e menos triste" (A Verdade Sobre a Nostalgia).
Rebelde sim, mas nunca insensato. Como Raul já dizia: "conserve seu medo, mantenha ele aceso. Se você não teme, se você não ama, vai acabar cedo(...) conserve seu medo mas sempre ficando sem medo de nada, porque desta vida, de qualquer maneira não se leva nada". (Conserve Seu Medo).
Raul Seixas - família
Rabisco do Blogger em 1993 |
Já vimos que como filho foi rebelde mas sereno. O maior gesto de amor foi parar um tempo para estudar e dar um diploma de advogado ao pai, realizando assim o sonho do velho Raul Varella. Amou muito sua família, principalmente seu pai e sua mãe. Já maduro, após vários casamentos e relacionamentos, falou (cantou) a seguinte pérola: "Eu tive que perder minha família para perceber o benefício que ela me proporcionava. É triste aceitar esse engano quando já se esgotaram as possibilidades. E agora sofro as atitudes que tomei por acreditar em verdades ignorantes...Não respeitei o sacrifício que custa para construir a fortaleza que se chama família..." (Diamante de Mendigo).
Raul Seixas era um amante insaciável. Em uma anotação no seu diário pessoal escreveu: "Eu como marido sou uma merda total. Como Raul Seixas sou um homem ideal". Raul teve cinco esposas, além das várias mulheres com quem se relacionou extra-oficialmente. Seu estilo de vida não era para casamento, mas amou cada uma das suas mulheres intensamente. Na música Medo da Chuva define bem esse perfil: "É pena que você pense que sou seu escravo, dizendo que sou seu marido e não posso partir. Como as pedras imóveis na praia eu fico ao seu lado sem saber dos amores que a vida me trouxe e eu não pude viver". Na música A Maçã Raul demonstra um desejo de um relacionamento aberto, sem censura, sem amarras e sem dominação. "Se esse amor ficar entre nós dois, vai ser tão pobre amor, vai se gastar...Quando eu te escolhi para morar junto de mim, eu quis ser tua alma, ter seu corpo tudo enfim. Mas compreendi que além de dois existem mais. Amor só dura em liberdade, o ciúme é só vaidade, sofro mas eu vou te libertar. O que é que eu quero se eu te privo do que eu mais venero que é a beleza de deitar".
Mesmo distante devido sua rotina, Raul Seixas foi um pai amoroso e influente. Na música Cantiga de Ninar consegue expressar toda sua ternura paterna e amor na forma mais pura e bela: "Dorme enquanto teu pai faz músicas, que é a forma dele rezar. Todos os sonhos na realidade são verdades, se eu puder cantar... Fiz meu rumo por essa terra, entre o fogo que o amor consome. Eu lutei mas perdi a guerra, eu só posso te dar meu nome".
Raul eterno
"Eu sei que determinada rua que já passei não tornará a ouvir o som dos meus passos, tem uma revista que eu guardo há muitos anos, e que eu nunca mais eu vou abrir; Cada vez que eu me despeço de uma pessoa, pode ser que esta pessoa esteja me vendo pela última vez; a morte, surda, caminha a meu lado e eu não sei em que esquina ela vai me beijar... " (Canto para Minha Morte).
Mesmo eu sem ter conhecimento da vida de Raul Seixas,admirei sua historia de vida e de como ele olhava a vida em geral. Esse texto me mostrou e ensinou uma outra forma de ver nossas perspectivas futuras....... parabéns Luiz Vieira por escrever um texto assim, da vida de seu grande ídolo RAUL SEIXAS que é de inspiração para todos nos......
ResponderExcluirJá li livros, textos em revistas, artigos em jornais, crônicas na TV, documentário completo de Raul intitulado "Raul: início, meio e fim". Tenho, em vinil, Raul de "A" a "Z", ou seja, desde Raul e The Panters à Panela do Diabo. (Trocando em miúdos, tenho a coleção completa dos discos do Raul - com exceção de um ou dois - desde quando ele tocava com a banda Os Pantera até quando encerrou tocando com o também baiano Marcelo Novas). Já cheguei a me achar o maior dos fãs do Raul, só porque aprendi, quando adolescente, tocar ao violão e cantar algumas de suas canções.
ResponderExcluirEstou me expressando dessa maneira para dizer que nunca vi/li uma análise tão completa e de forma tão sucinta a respeito do Raul - sua vida, sua obra e sua história. Você também conseguiu nesta análise, o que os analistas ("políticos, sociais, filosóficos" - e religiosos também) não conseguiram - parabéns. Só gostaria de lembrar que Raul nos instigava também a sempre recomeçar. Isto está expresso na música cachorro-urubu: "oh baby, a gente ainda nem começou!!!"
Valeu pela riqueza de detalhes e pela bela homenagem. Viva Raul!!!
Zelão.