Sou professor com orgulho e convicção. Para homenagear esses guerreiros que vão à luta armados de muita fé e esperança, dedico um pedaço de minha alma. Ofereço-lhes uma crônica do meu livro "O escorpião e a borboleta" que escrevi com paixão.
Ao mestre com carinho
- Venha dormir minha filha. Já passa de meia noite.
- Vou já, João. Estou só terminando a atividade do 6º ano.
Maria dos Anjos Pereira da Silva. Conhecida por todos como Professora
Dos Anjos. Mulher de estatura pequena, cerca de 1,63cm, mas todos a veem como
uma gigante. Voz mansa, muito humilde, e quando anda, parece que voa. Sempre
apressada, inquieta, espírito de águia. É professora há 20 anos e vive o
magistério como um sacerdócio. Mas não queria que fosse assim. Sonhava com tudo
diferente.
Dos Anjos saiu do interior do Maranhão e foi estudar na cidade de
Imperatriz. De família muito pobre, teve que trabalhar como empregada doméstica
para garantir moradia e condições para alcançar um sonho de criança: fazer o magistério
e se tornar professora. Com muito esforço e dedicação, concluiu o magistério (o
equivalente ao 2º grau na época) e voltou para sua cidadezinha com um diploma
na mão e um sonho por realizar. Ficou dois anos desempregada, pois por motivos
políticos o prefeito que era desafeto de sua família não lhe deu emprego. Dos
Anjos não desistiu. Matriculou-se no curso de aperfeiçoamento do
magistério chamado estudos adicionais, enfrentou dificuldades,
mas enfim conseguiu mais um diploma. Dos Anjos queria muito mais. Queria agora
um diploma de nível superior. Queria ser Pedagoga.
No ano de 1993, conseguiu seu primeiro emprego de professora. Seu
primeiro desafio foi alfabetizar crianças. Sentiu muita dificuldade, pois
descobriu que as teorias que aprendera no magistério e nos estudos adicionais
não tinham nada a ver com a prática. Com muita persistência e dedicação,
aprendeu a alfabetizar na prática e, em 1994, ganhou o prêmio de melhor alfabetizadora
do seu município.
O sonho de entrar para a universidade só veio em 2000. O seu salário não
permitia sair de sua cidade para estudar fora. Até lutou junto ao sindicato
para conseguir apoio do prefeito para custear a formação de professores, mas
sempre ficava na promessa de campanha. Até que surgiu uma oportunidade única:
um curso de Pedagogia pela UVA (Universidade do Vale do Acaraú) em Sobral (CE).
As aulas eram só nas férias, dando assim condições para que Maria dos Anjos
estudasse sem ter que abandonar suas duas turmas de alunos do ensino
fundamental.
Em 2005, toda orgulhosa, formou-se em Pedagogia. Um curso que fez com
muito sacrifício, tendo que abrir mão das férias por cinco anos, abrir mão da
vida social e até do convívio familiar. Tanto sacrifício teria que valer a
pena.
Como pedagoga, a professora Dos Anjos descobriu uma triste realidade: os
políticos não valorizavam diploma. Ganhava apenas R$100,00 a mais do que uma professora que só tinha o
magistério. Tinha que trabalhar três turnos para conseguir pagar as despesas. A
cada dia se via mais desvalorizada e desprestigiada. Gastava parte do seu
salário comprando material escolar, pois a Secretaria de Educação alegava não
ter fundos.
Em 2007, foi convidada por uma amiga para vir para Parauapebas. Segundo
essa amiga, "Parauapebas é a terra onde corre leite e mel
e tem ribanceira de cuscuz". Não pensou duas vezes. Arrumou
as malas, embarcou na classe econômica do trem e veio de vez, decidida a ficar.
Aqui conseguiu logo um emprego e assumiu uma turma do 4º ano numa extensão da
periferia. Ficou muito animada, pois trabalhando apenas um turno, já ganhava
quase o mesmo valor que ganhava em três turnos lá no Maranhão. Não precisou de
muito tempo para a professora Dos Anjos cair na triste realidade. O valor que
ganhava aqui, apesar de muito superior ao que ganhava antes, não dava para
cobrir as despesas. Aqui tudo era muito caro, principalmente o aluguel.
Logo a Professora Dos Anjos se viu numa dura rotina, tendo que trabalhar
três turnos em três escolas diferentes para conseguir equilibrar o orçamento.
Para complicar ainda mais, seu marido que é braçal, fica mais tempo
desempregado do que trabalhando.
A professora Dos Anjos é brasileira e não desiste nunca. Trabalha com
dedicação, amor e muita superação. Passa todo o final de semana planejando as
aulas das suas três turmas. À noite sempre tem trabalho extra. Muitas tarefas para corrigir,
muitas provas, muitos relatórios e centenas de fichas para preencher. Sonha em
poder tirar férias, em poder viajar com a família, mas por enquanto o sonho vai
ficando para depois.
Ultimamente, um probleminha vem tirando o sono da Professora Dos Anjos.
Percebeu um caroço no seu seio esquerdo. Depois de três meses tentando um
atendimento no Hospital Municipal, ouviu apenas uma bronca ríspida do médico
que lhe atendeu com pressa e nem sequer olhou para o seu rosto.
- Quanto tempo a senhora não faz um preventivo? -Perguntou o médico
carrancudo.
- Nem me lembro qual foi a última vez, doutor -Respondeu cabisbaixa.
- Isso é irresponsabilidade. Não sabe que toda mulher tem que fazer um
preventivo pelo menos uma vez por ano? Quando estão morrendo é que vocês procuram a gente e
depois ainda reclamam. - Retrucou o médico mal humorado.
A professora Dos Anjos baixou a cabeça e chorou. Se sentiu impotente, a
última das criaturas. Sentiu vontade de morrer. "Por que não
estudei para ser médica ao invés de ser professora?" Pensou
amargurada. Trabalhava tanto que negligenciou até sua própria saúde. A educação
sempre estava em primeiro lugar, enquanto as outras coisas essenciais ficavam
sempre para depois. Enquanto esse filme triste passava pela sua cabeça, voltou à realidade com a voz grosseira do
médico. "Tome esse encaminhamento. Faça uma mamografia e volte aqui
quando tiver o resultado. Próximo!" - Bradou o médico, chamando o
próximo paciente.
Quatro meses já se passaram e a professora Dos Anjos ainda não conseguiu
fazer a mamografia. Sempre falam que o aparelho está quebrado. Na última vez
que foi ao hospital lhe deram uma esperança. O tal aparelho já estava
funcionando. Agora era só aguardar a vez, pois tinha muita gente agendada. Mas
a vida não para. Os alunos da professora Dos Anjos não podem esperar. Todos os
dias, com chuva ou com sol, a professorinha miudinha, de passinhos rápidos e
voz mansa, está lá firme e forte. Sempre sorrindo e incentivando os seus alunos
a acreditarem na educação como instrumento de crescimento. Quando sente vontade
de chorar, sorri com elegância. O choro fica para depois.
A professora Dos Anjos continua sonhando. "Um dia os
professores vão ser tratados como médicos, como engenheiros. Um dia ainda vamos
ter salário digno." "Um dia ainda vou poder trabalhar só oito horas por dia e
receber um salário digno compatível com a minha missão." "Um dia os
políticos ainda vão valorizar a educação e os professores, depois das campanhas
eleitorais." "Um dia..."
Essa é uma história de ficção com personagens e nomes fictícios.
Qualquer semelhança com a realidade será mera coincidência.
Um grande abraço a todos os professores
do Brasil.
Um dia os professores vão acreditar em si próprios e deixarão de bajular políticos safados. Um dia seremos nós mesmos pelos nossos próprios méritos e capacidade. Um dia... Ainda assim, parabéns a todos nós professores e que possamos apressar esse dia. Então vamos à luta.
ResponderExcluirA professora maranhense é uma amostra de professores brasileiros, principalmente, os do Norte-Nordeste... São esses mestres que forjam/forjaram as novas gerações! O trabalho escravo continua...
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