Por Paulo Moreira Leite*
O movimento de caráter semi-insurrecional que vemos
no país de hoje exige uma reflexão cuidadosa.
Começou como uma luta justíssima pela redução de
tarifas de ônibus.
Auxiliada pela postura irredutível das autoridades
e pela brutalidade policial, esta mobilização transformou-se numa luta nacional
pela democracia.
Se a redução da tarifa foi vitoriosa, a defesa dos
direitos democráticos também deu resultado na medida em que o Estado deixou de
empregar a violência como método preferencial para impor suas políticas.
Mas hoje a mobilização assumiu outra fisionomia.
Seu traços anti-democráticos acentuados. Até o MPL,
entidade que havia organizado o movimento em sua primeira fase, decidiu
retirar-se das mobilizações.
Os manifestantes combatem os partidos políticos,
que são a forma mais democrática de participação no Estado.
Seu argumento é típico do fascismo: “povo unido não
precisa de partido.”
Claro que precisa. Não há saída na sociedade
moderna. Às vezes, uma pessoa escolhe entrar num partido. Outras vezes, é massa
de manobra e nem sabe.
A criação de partidos políticos é a forma
democrática de uma sociedade debater e negociar interesses diferentes, que não
nascem na política, como se tenta acreditar, mas da própria vida social, das
classes sociais.
Em São Paulo, em Brasília, os protestos exibiram
faixa com caráter golpista.
“Chega de políticos incompetentes!!! Intervenção
Militar Já!!!”
No mesmo movimento, militantes de esquerda, com
bandeiras de esquerda, foram forçados a deixar uma passeata na porrada. Uma
bandeira do movimento negro foi rasgada.
A baderna cumpre um papel essencial na conjuntura
atual. Reforça a sensação de desordem, cria o ambiente favorável a medidas de
força – tão convenientes para quem tem precisa desgastar de qualquer
maneira um bloco político que ocupa o Planalto após três eleições consecutivas.
A baderna é uma provocação que procura emparedar o
governo Dilma criando uma situação sem saída.
Se reprime, é autoritária. Se cruza os braços, é
omissa.
Outro efeito é embaralhar a situação política do
país, confundir quem fala pela maioria e quem apenas pretende representá-la.
É bom recordar que a maioria escolhe seu governo
pelo voto, o critério mais democrático que existe.
Nenhum brasileiro chegou perto do paraíso e todos
nós temos reivindicações legítimas que precisam de uma resposta.
Também sabemos das mazelas de um sistema político
criado para defender a ordem vigente – e que, com muita dificuldade, através de
brechas sempre estreitas, criou benefícios para a maioria.
Olhando para a maioria dos brasileiros, aqueles que
foram excluídos da história ao longo de séculos, cabe perguntar, porém: os
políticos atuais são incompetentes para quem, mascarados?
Para a empregada doméstica, que emancipou-se das
últimas heranças da escravidão?
Para 40 milhões que recebem o bolsa-família?
Para os milhões de jovens pobres que nunca puderam
entrar numa faculdade? Para os negros? Quem vive do mínimo?
Ou para quem vai ao mercado de trabalho e encontra
um índice de desemprego invejado no resto do mundo?
Mascarados que arrebentam vidraças, incendeiam
ônibus e invadem edifícios trabalham contra a ordem democrática, onde os
partidos são legítimos, as pessoas têm direitos iguais – e o poder,
que emana do povo, não se resolve na arruaça, pelo sangue, mas pelo voto.
É óbvio que a baderna, em sua fase atual, não quer
objetivos claros nem reivindicações específicas. Não quer negociações, não quer
o funcionamento da democracia. Quer travá-la.
Enquanto não avançar pela violência direta, fará o
possível para criar pedidos difusos, que não sejam possíveis de avaliar nem
responder.
O objetivo é manter a raiva, a febre, a multidão
eletrizada.
É delírio enxergar o que está acontecendo no país
como um conflito entre direita e esquerda. É uma luta muito maior, como
aprenderam todas as pessoas que vivenciaram e estudaram as trevas de uma
ditadura.
A questão colocada é a defesa da democracia, este
regime insubstituível para a criação do bem-estar social e do progresso
econômico.
O conflito é este: democracia ou fascismo. Não há
alternativa no horizonte.
Quem não perceber isso está condenado a travar a
luta errada, com métodos errados e chegar a um desfecho errado.
*Diretor da revista IstoÉ em
Brasília, foi correspondente em Paris e Washington, redator-chefe da Veja e
diretor de redação da Época
Muito bom esse texto. Realmente a criminalização da política só favorece aos tiranos. Se o povo acha que todo político não presta, abre um grande vazio a ser preenchido por tiranos fascistas. Além de incentivar os políticos a serem corruptos pois se você fala que todos roubam, está tornando legítimo o ato do político ladrão, e de certa forma está aceitando.
ResponderExcluirEm qualquer lugar do mundo para se disputar uma eleição tem que estar ligado a um partido. Se essa juventude rejeita os partidos, como é que vai ser o processo de escolha dos cargos políticos? Através de golpe militar ou através da revolução armada? Isso não está claro para essa juventude "mascarada". (ZÉ POVO-O ANALISTA POLÍTICO)
Não há satisfação completa, mas a insatisfação tem que ter uma causa nobre, clara e em benefício da maioria. Quebrar, saquear, queimar e banalizar não é reivindicar direitos; aliás, por que se escondem atrás de máscaras? O que querem afinal. O mundo tem que ser para todos.
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