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sábado, 11 de maio de 2013

ESSA NOITE DORMI COM UMA BRUXA (DIÁRIO DE UM PEREGRINO)

Albergue Pata de Oca - Povoado de Torres del Rio


No meu sexto dia de caminhada cheguei a um povoado chamado Torres Del Rio. Estava bastante cansado depois de uma longa caminhada em um trecho com muita ladeira e muitas pedras. Nesse dia encontrei pela segunda vez o seu Pedro, um carioca de 72 anos. Nosso primeiro encontro foi no 3º dia. Ele estava com a camisa da seleção brasileira e trocamos rápidas palavras, pois estava sentado e eu tinha que seguir em frente. Dessa vez encontrei novamente com a mesma camisa. Agora caminhamos um trecho juntos e conversamos bastante. Encontrei-o numa situação inusitada. Estava voltando e procurando algo. Me falou que havia perdido a sacola de comida que trazia na mão e não sabe como deixou cair. Ísso é comum no Caminho de Santiago. Falei que não procurasse mais pois eu tinha comida para 2. Ele ficou bem animado e seguimos em frente. Aparentemente ele não parece ter mais de 55 anos, mais achei-o bastante debilitado. Fazia grande esforço para me acompanhar mesmo eu tendo diminuido a marcha para andarmos juntos.
Seu Pedro me contou que é Procurador Federal aposentado e solteiro. Não tem família. Deixou uma namorada no Rio e está fazendo o Caminho para decidir se casa. Aos 72 anos ainda com essa dúvida seu Pedro? Entre outras histórias me contou que já engoliu muito sapo defendento o governo em causas que normalmente não defenderia. Tinha noite que não conseguia dormir com a consciência pesada. Mas era a natureza do seu trabalho. O Caminho era também uma espécie de purificação. Sei como é isso seu Pedro.
 Estava uma chuvinha intermitente e falei com seu Pedro que quando encontrassemos alguma estrutura pararíamos para almoçar. Já eram 12h e 40 minutos quando passamos por um local com 2 bancos de madeira no meio do nada. Seu Pedro se animou e apontou. Disse: olhe aqui, podemos parar nesse lugar. Não era bem isso que eu procurava. Como ia preparar o sanduiche debaixo de chuva? Como ví que seu Pedro estava com muita fome e cansado parei ali mesmo. Havia comprado no povoado anterior um pão, uma lata de atum e um pacote de queijo fatiado. Tirei da mochila e com meu canivete preparei um sanduiche bem gordo. Dididi ao meio e comemos até os farelos. Não sei se era bem essa a refeição que seu Pedro esperava mais demonstrou muita satisfação. Como sobremesa dividimos uma banana. Depois ofereci-lhe a única laranja que havia sobrado, e ele recusou. Sugeriu que guardasse para mais tarde. Seguimos em frente bem alimentados e dispostos. No povoado de Los Arcos seu Pedro resolveu ficar e eu segui até Torres Del Rio, onde parei para dormir.
Entrei num albergue e quando estava preenchendo a ficha, notei que entrou uma moça jovem de uns 30 anos no máximo. Tinha cabelos loiros encaracolados abaixo dos ombros. Notei que tinha uma pequena mancha avermelhada no rosto sob o olho esquerdo. Era bonita e não parecia cansada. A senhora do albergue me acompanhou e me mostrou um beliche. Escolhi a parte de baixo e fui logo me organizando para o banho. Nesse quarto os beliches ficam separados de 2 em 2 em pequenos cubículos separados por divisórias. Notei que os demais estavam ocupados. Quando saí para o banho eis que entra a moça bonita que encontrei na recepção. Me cumprimentou com um olá com um sotaque europeu e colocou sua mochila na parte de cima do beliche ao lado do meu. Aqui no Caminho é assim. Os quartos e banheiros dos albergues são mistos. Pensei: espero que ela não ronque.
Quando voltei do banheiro vi minha vizinha de beliche sentado na parte superior em posição de yoga, com as mãos espalmadas para baixo fazendo movimentos circulares e repetindo um mantra. Em pequenos intervalos parava e fungava longamente. Pensei: o que é isso meu Deus? Será que vou dormir ao lado de uma bruxa? Ô lugar mal assombrado! Olhei algumas vezes de soslaio e em algumas vezes ví que ela estava me olhando. Desviava o olhar. Se estava me olhando não estava concentrada. Talvez quisesse só chamar minha atenção. Deixei-a sozinha com seu ritual e desci para o saguão. Subi para o quarto no limite, as 22 horas -horário máximo para se ficar fora do quarto. Achei que ela já estivesse dormindo. Estava deitada jogando no celular. Um joguinho que fazia um barulho irritante tipo ploint, ploint. Assim ficou por horas atrapalhando o meu sono. De vez em quando me olhava e eu fingia que dormia. Não sei até que horas a "bruxa" ficou jogando, pois me concentrei e peguei no sono.
No dia seguinte acordei cedo, desci para tomar café. Voltei e a "bruxa" continuava dormindo. Que desaforo! Perturba o meu sono e agora fica aí dormindo? Uma ova! Dei uma olhada nas divisórias ao lado e me certifiquei que não tinha mais ninguém dormindo. Peguei meu i-fone e coloquei uma música do Zeca Baleiro no último volume. A "bruxa" acordou com o cabelo todo assanhado e a cara amassada. Agora sim, parecia uma bruxa de verdade. Me olhou com uma cara feia e falou alguma coisa que eu não compreendi. Pulou do beliche e foi para o banheiro. Achei melhor não esperar ela voltar. Joguei a mochila nas costas e desci rapidamente. Mais um dia de caminhada. Viva a liberdade! Viva os peregrinos! Viva os aventureiros e loucos!

2 comentários:

  1. É nessa hora que a gente pensa:ah uma vassoura! Boa aventura;

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  2. kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk... Edite... é melhor checar esta "estória! direito!!!!

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