TARTARUGAS MANCAS
15 de maio - 12º dia de caminhada
Hoje tem 15 dias que estou fora de casa. Já estou caminhando há 12 dias. Sinto muita saudade de casa e estou um pouco desanimado. Lembro de quando saí de San Jean Pied-do-Port cheio de expectativa e ansiedade sobre o caminho. Acho que tinha uma visao mais romântica do que real. Imaginei grupos de jovens animados, acampamentos com fogueira pelo caminho, rituais de peregrinos, etc. Até agora nao ví nada disso, e nesse período os peregrinos acima de 40 anos predominam. Muitos, muitos idosos. Acho que eles vao caminhando pedaços do caminho e pegando conduçao em outros. Geralmente nos albergues sao os mais animados.
Já sao 16h e 40 minutos. Estou chegando numa cidadezinha chamada Montanas. Hoje o trecho foi muito hostil. Muita subida íngreme em meio a pedras. Passei por uma reserva militar toda cercada com rolos de arames farpado que combinavam bem com o estilo do caminho. De vez em quando escutava explosoes que nao sei se vinha da reserva militar ou de alguma mina. Era assustador.
Na entrada da cidade paro um instante e fico observando os peregrinos passarem. Estao arrasados e andando de um jeito engraçado. Com enormes mochilas nas costas com capas de chuva de toda cor, andam meio corcundas e mancando. Parecem tartarugas mancas coloridas. Fico pensando: será que sao aleijados? Por que andam assim? Sorrio. Percebo que estou andando igualzinho a eles. Faço parte desse exército de tartarugas mancas que estao aventurando pelo Caminho de Santiago.
Entro no primeiro albergue que encontro e pergunto se tem uma cama. Geralmente nesse horário estao todos lotados. Uma moça branca, alta e magricela me fala num espanhol apressado que só tem no solo. Entendo que ela está me perguntando se estou só. Respondo: si, soy solo. Ela sorri e pede que a outra moça me explique. A outra jovem é morena, bochechuda e tem o cabelo enrolado numa trança. Nao se parece nada com espanhola. Pelas características e atributos desconfio que seja brasileira. Num espanhol meio forçado e fazendo mímicas me fala que só tem colchao no chao. Recuso. Estava muito cansado e fazia muito frio para dormir no chao. Antes de sair pergunto: usted no es española si? Ela responde: no, so brasiliana. Oh, brasileira? Ela sorri e fala: no, no. Percebo que está querendo tirar onda. Agradeço e saio em busca de outro albergue. Na terceira tentativa encontro vaga no albergue municipal. Uma hospitaleira simpática parecida com tia Luzia (tia da minha mulher) me mostra os beliches e fala que só tem vaga em cima. Olho e fico desanimado. Muito alto, estreito e sem grade de proteçao. Tenho medo de cair. Vendo a minha desaprovaçao, ela me fala que no anexo a 50 metros ainda resta uma vaga na parte de baixo. Topo. Ela me leva ao dito anexo que parece muito mais longe do que os 50 metros. A última cama estava com mochila e roupa em cima. Ela retira e coloca na parte superior do beliche e pede que eu ocupe. Pergunto se nao vai haver problema, pois alguém já havia reservado. Ela fala: no, no problema. Qualquer coisa mande me procurar. Ok. Ocupo a cama com pressentimento que nao vai dar certo.
Após o banho, junto a roupa suja e vou procurar uma lavanderia, pois nao daria tempo de lavar à mao. A hospitaleira fala que as máquinas já estao lotadas e me indica justamente o albergue da falsa espanhola que queria que eu dormisse no chao. Chego ao balcao e a magrela me pergunta se eu consegui vaga em outro albergue. Sim, no municipal, respondo. Ela cochicha alguma coisa com a outra e me fala: aqui seria mucho mejor. Apenas sorrio. Pergunto se tem como lavar minha roupa. De forma meio grosseira ela manda eu lavar no municipal. Nao entendo o motivo mas parece que ficou ofendida por eu nao ter me hospedado alí. Explico que lá já está lotado e quase suplico para que ela aceita. Novamente ela cochicha alguma coisa com sua parceira (que parece brasileira) e recebe minha sacola com roupas sujas. Me cobra 7 euros e pede que eu apanhe lá pelas 8. Sinto que ela está me cobrando a mais.
Volto para meu albergue e descanso um pouco. No horário marcado vou ao bar buscar as roupas. Sim, ao bar, pois o albergue fica no fundo de um movimentado bar. A moça morena que se parece brasileira está só e manda que eu olhe numa escada para ver se as roupas já estao lavadas. Observo vários cestos e nao vejo as minhas. Me sento junto ao balcao e peço um café para passar o tempo. Fico observando o rítimo frenético daquela moça que corre de um lado para o outro para dar conta de atender todos os clientes. De vez em quando ela me fala algo e apenas balanço a cabeça. Nao estou muito a fim de falar em espanhol.
Vou a escada novamente, enfim minhas roupas estavam lá, limpas e secas. Já passam das 9 e o bar já está quase vazio. Pago o café e quando me levanto para sair a dita espanhola me fala em bom e velho português: você é muito bonito brasileito. Confesso que fiquei lisonjeado mas nao esboçei nenhum sentimento de satisfaçao. Apenas me virei e respondi secamente: gracias señora. Adiós.
Quando cheguei ao albergue minha cisma se confirmou. Minha mochila estava na parte de cima de outro beliche e um senhor de cabelos brancos roncava tranquilamente na cama que seria minha. Resolvo dormir ali mesmo no único lugar que me restou, porém, noto que nao tem cobertor. Procuro a hospitaleira e conto o que aconteceu. Ela me pede para aguardar que já irá resolver. E nao é que a sem noçao queria acordar o velhinho para desocupar minha cama? Digo: nao! Nao faça isso! Apenas me arrume um cobertor que eu durmo aqui mesmo. Você nao tem saco de dormir? Pergunta. Nao. Minto. Nao estava a fim de me embrulhar com um saco de dormir. Ela pede que eu espere um pouco enquanto arruma um coberto. Deito, e muito cansado pego no sono mesmo com o frio de 3 graus. De repente sinto alguém me cobrindo. Pensei que fosse minha mae como ela costumava fazer na minha infância. Volto à realidade e vejo que é a hospitaleira. Gostei. Apenas finjo que continuo dormindo. Tenho que dormir rápido. Amanha será mais um dia de caminhada.
estou te mandando a força do PAO DE QUEIJO associado a um bom cafe TRES CORAÇOES. FOOOOOOOOOOORÇA LUIZZZZZZ
ResponderExcluirQue aventura hein? Essa foi boa; um dia ia ter que acontecer. Não se espante com as que (possivelmente) virão. Sorte.
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