12 de maio (domingo)
Após um bom café da manha na cidade de Azofra, mochila nas costas e começo o meu 9º dia de peregrinaçao. Dessa vez a vegetaçao é meio sem graça. Nada de parreirais, nada de bosques. Ando quilômetros numa paisagem onde predominam as plantaçoes de cereais. Muito repetitivo. Dá a impressao que você nao está saindo do lugar.
Hoje dei uma aliviada na mochila. Deixei no albergue um livrinho de espanhol, um de francês e uma blusa de mangas compridas que ficou sem uso depois que comprei o casaco de frio. No Caminho é assim. Qualquer objeto a menos faz uma grande diferença.
Mal saio de Azofra encontro um velhinho de cabelos e barbas brancas idêntico ao meu Papai Noel de infância. Digo: olá Papai Noel! Ele me cumprimenta sorridente numa língua que nao identifico. Perguntei de onde era. Após algumas tentativas ele consegue me responder que é alemao. Aponta para sua câmara e entendo que está me pedindo para tirar uma foto sua. Aproveito e peço a um ciclista que passa para tirar uma nossa. O bom velhinho sorri o tempo todo. Uma figura! Que pena eu nao saber falar alemao! Aposto que ele deve ter ótimas histórias. Paro para descansar um pouco. De repente, eis quem passa por mim: o Papai Noel novamente, com aqueles passinhos curtos. Como pode um velhinho desse? Pensei que tivesse ficado há quilômetros para trás. Mistérios do Caminho de Santiago!
Às 12h em ponto entro na cidade de Santo Domingo. Faz muito frio, mas dessa vez estou prevenido. Os sinos da catedral tocam insistentemente. No meu pensamento imagino que seja para comemorar minha chegada. Na verdade a Província está comemorando o dia do santo. Tem procissao com banda e tudo. Fiquei parado observando tudo. Parecia um desfile de alegorias, muito bonito. O diabo é que só depois que a procissao passa é que me lembro das fotos.
Penso em almoçar aqui mas mudo de idéia. Já havia almoçado ontem e dois dias seguidos é um exagero. Faço apenas um lanche reforçado. Imagino que se meus amigos souberem que estou evitando almoço vao me chamar de unha de fome, ainda mais depois que reclamei da extravagância que fiz ao comprar um blusao de frio por quase 70€. Nao é nada disso. Nao sou unha de fome e nem estou na pindaiba. É que resolvi fazer o caminho como um verdadeiro peregrino. Planejei gastar somente mil euros em todo o percurso que fizer a pés. Aí já viu né? Tem que fazer conta e economizar. Quanto a almoçar, aprendi com a experiência que é melhor investir no jantar durante a caminhada. O almoço te deixa pesado e lento. Só uma questao prática.
Resolvo dar uma passada na catedral. Como a missa era festiva em comemoraçao a Sto Domingos, padroeiro da cidade, estava lotada. Só consigo chegar a um corredor lateral atulhado de gente assistindo a missa por tv·s de tela plana. Nunca vi isso em minha vida. Saio e pego o caminho novamente. A parte da tarde sempre é mais difícil O joelho começa a reclamar e os pés doem. Força, coragem! Tenho que atingir minha meta de hoje. Durante toda a caminhada penso em minha mae. Nao me lembro da última vez que passei esse dia longe dela. Inevitavelmente lembro da minha infância. Casinha de taipa, cobertura de tabuinhas (já viram?) e muita proteçao. Minha mae nao deixava faltar nada e nao havia um Natal em que nao ganhávamos um presente que misteriosamente aparecia aos pés da cama deixado pelo Papai Noel. Usava uma palmatória para nos disciplinar. Apanhei muito e nao fiquei revoltado e nem traumatizado como dizem nos dias de hoje. Sinto a sola dos meus pés doerem como se estivesse pisando nas pedras sem as botas. Lembro que Dona Cota (seu nome é Maria, mas só gosta de ser chamada de Dona Cota) me obrigava sempre a andar calçado. Andar descalço? Nem pensar! Coisas de Dona Cota. Por ísso meus pés sao mais finos do que pés de moça e agora dóem tanto dentro dessa bota. No saldo geral agradeço muito a ela por ter me educado com rigor e me ensinado os verdadeiros valores de ser um HOMEM. Salve Dona Cota! Muita saúde nesses seus 83 anos de vida! Qualquer dia desse vou escrever um livro só com os "causos" de Dona Cota.
Chego ao povoado de Castildelgado após 28 km de caminhada. Olho no meu mapa, e nao indica nenhum albergue. O próximo povoado com albergue fica há 10 quilômetros. Vejo uma placa com uma seta indicando um hotel. Estou muito cansado e resolvo ficar por aqui. Já andei mais que os demais peregrinos, pois a maioria ficou na cidade vizinha há uns 4 quilômetros atrás.
Após me arrastar mais um pouco avisto o tal hotel do outro lado da rodovia. Hostal el Chocolatero. Bonito nome, mas só o nome. A porta principal está trancada e entro pelo bar anexo. Estava repleto de gente e a julgar pela quantidade de caminhoes do lado de fora, eram todos caminhoneiros. Muito barulho e o chao estava sujo. Pela primeira vez ví um lugar sujo aqui na Espanha. Encosto no balcao e pergunto a moça se tem um quarto. Ela me olha e diz: um momento. Continua lavando copos. Eu alí em pé, cansado, corpo doído, doido para tirar as botas e me jogar na cama e aquela coisa lavando copos. Lembro que estou em país estranho e apenas espero calado. Em outra situaçao teria explodido. De repente aparece um senhor gentil e percebendo a situaçao, se prontifica a me atender. Ficha preenchida, me entrega a chave e me aponta a direçao. O quarto é minúsculo, mas tem até banheiro. Noto uma pequena banheira quadrada sob o chuveiro e pelo tamanho deve ser para escalda-pés. Encho com água bem quente e enfio meus pés calejados. Um alívio! Tomo banho e desço para o bar. Um cartaz indica que a janta será servida as 21h. Como assim? Aqui sempre é as 19. Peço um vinho e uma porçao de azeitonas e fico aguardando o tempo passar. Na tv está passando um jogo de futebol. Estou cansado e nem sei quem está jogando. Pelo barulho que os frequentadores fazem deve ser um jogo interessante.
Enfim, janto e subo para o quarto. Aproveito que nao tem ninguém roncando como nos albergues e durmo. Amanha será outro dia!
Cidadezinha esquisita! Parece coisa medieval.
ResponderExcluirPapai Noel está bem; faltou uma barriguinha.
ResponderExcluirNOTÍCIAS DAQUI
Pois é Luiz, enquanto você caminha, as coisas por aqui estão (quase) paradas. A justiça determinou até o dia 15.05 para que governo e servidores chegassem a um acordo sobre a greve. O governo, dando uma demonstração de prepotência, disse que não estava preocupado porque "está acostumado a lidar com peão" - e vai para a televisão dizer que não existe greve, quando sequer a vacinação para os idosos estava funcionando. Os servidores da saúde decidiram retornar e isto enfraqueceu o movimento dos educadores. Na tarde do dia 14.05 o SINTEPP realizou uma assembléia e em solidariedade às centenas de servidores temporários que nem sequer assinaram contrato, resolveu paralisar o movimento. Isto foi ruim porque ficou valendo a empáfia do prefeito (bicho bruto!), a inoperância do poder judiciário (podia pelo menos ter proposto um meio termo) e o descaso do poder legislativo (quer dizer que quando vira vereador/a deixa de ser educador/a? Não sabem o que os espera! Podiam ter sido pelo menos solidários).Por outro lado temos que admitir que se não houve coerência do SINTEPP antes de deflagrar a greve, houve no momento de parar; eles precisam entender que deflagrar uma greve não é só convocar a categoria para parar de trabalhar, existe todo um processo de mobilização, inclusive social; mas que as lições sejam tiradas. E a coisa por aqui está assim, como se diz "devagar, quase parando". Propaganda, muita, trabalho que é bom, nada. Quem sabe até o fim da sua caminhada por 'Santiago' (sabe Deus quando) alguém aqui resolva dar o primeiro passo!? Grande abraço, boa sorte..