Solidão e dor
Estou caminhando há horas. Quando saí de manhã fazia um frio congelante. Agora faz um calor insuportável. Tomei coragem e joguei a mochila no chão para tirar o casaco de anorak. Há muito já estava quente mas não tivera coragem de parar para me livrar do pesado casaco que protege contra a chuva. Notei que a mohila pesada tinha feito um enorme calo nos meus ombros. Estava cansado, com dor em todo o corpo e com vontade de desistir. Pensei: vou chegar no povoado mais próximo, tomar um taxi e voltar para Madrid. Ísso é loucura. Onde eu estava com a cabeça? Já sem o peso da mochila nas costas ponderei e decidi seguir em frente. Desistir agora? Não. Não posso. Tomei um pouco de água que estava quente e no fim. Que droga de cantil! A moça da loja me garantiu que mantinha a água gelada o dia todo. Mentirosa! Estava com muita fome e comi umas bolachas que trazia na mochila. Já eram umas 3 horas da tarde e nem sinal de um povoado onde pudesse comer algo. Meu estômago doia e já não aguentava mais comer bolacha doce com água morna.
Há dias não falo com ninguém. É duro voçê se sentir só no meio da multidão. Tantos peregrinos no caminho conversando, fazendo algazrra e você ali sem poder conversar. Que droga! Por que não fiz um curso de inglês? Muitos tentavam falar comigo. Perguntavam se eu falava inglês. No, no speaking inglês. Na próxima vez juro que farei um curso antes de me aventurar pelo mundo. O pior momento é na hora do jantar, onde fico vendo as pessoas estranhas puxando conversa e eu alí apenas olhando. Poderia agora estar conversando com gente de toda parte do mundo, aprendendo sobre seus costume, sua cultura.
Joguei a mochila nas costas e resolvi caminhar um pouco. Tinha que chegar em algum lugar. As pernas teriam que aguentar. A cada passo parece que o joelho direito vai desmontar. Meus pés estão cheios de bolhas e sinto a meia entrando na carne. Não para de passar peregrinos por mim e me desejar bom caminho. Bom caminho é uma merda. Tenho vontade de xingar todos, mas apenas balbucio algumas palavras. Resolvo parar novamente e esperar que todos passem. Ficar caminhando com pesoas estranhas e não poder conversar é irritante. Melhor ficar sozinho.
Vejo que já estou completamente só. Não escuto mais vozes nem passos. Melhor assim. Estou subindo uma ladeira que parece que não tem fim. Meu Deus, por que me colocaste neste lugar inóspito? Será que tem um propósito tanto sofrimento? Nos meu pensamentos me lembro do Calvário de Cristo e me envergonho de estar reclamando. Tomo fôlego e tento caminhar mais depressa. Bato com meu cajado nas pedras como se quisesse extrair sua energia. Apenas gasto a minha.
Numa curva me deparo com uma cruz do lado esquerdo da estrada. Estava escrito em espanhol algo como "fim del camiño". Parei um instante, olhei o nome da pessoa. Fiquei imaginando sua aparência, sua idade e o que fazia. Vi que era da Colômbia. Que absurdo! Vir de tão longe para morrer nesse lugar miserável! Um frio percorreu minha espinha. Pensei na possibilidade de também morrer ali, sozinho, longe de casa e de todos que eu amo. Rapidamente conferi se meu passaport estava na bolsa que eu trazia na cintura. Se eu morrer pelo menos vão saber o meu nome e de onde vim. Me afastei daquele monumento macabro. Não queria morrer ali. Não ficaria bem duas cruzes juntas naquele caminho. Com essa idéia segui me arrastando.
Já estava ficando escuro. Li num folheto no albergue em que passei a noite que se deveria evitar andar após escurecer naquele trecho, pois havia animais selvagens e peçonhentos, além de muito precipício.
Minha cabeça está latejando. Uma dor insuportável. Meus ombros arquejam e tropeço nas pedras do caminho. Nunca vi tanta pedra na minha vida. Apesar do calor sinto calafrios e minha respiração ofega com violência. Quase não consigo respirar.
Vejo uma placa com o nome de um povoado e indicação de albergue e restaurante. Sonho com um banho frio, um jantar e uma cama. Era tudo que eu mais queria nesse momento. Que droga! A placa indica que ainda tenho que andar 7,5 km para chegar. Não vou aguentar. Minha visão escurece de repente. Sinto minha respiração mais violenta e uma dor no peito me faz arquear para baixo. Um pânico toma conta de mim como nunca havia acontecido. Sinto a morte me puxando e eu reluto. Não. Não pode ser. Aqui não. Luto para não desfalecer. Puxo o ar dos pulmões com toda a força e forço o passo. Consigo caminhar. Estou melhor. Respira, respira, tudo vai ficar bem. Vai Luiz Vieira, você consegue.
Estou agora caminhando mais leve. Algo errado aconteceu comigo. Já não sinto dores e nem minha mochila. Será que caiu e não percebi? Passo a mão nas costas e ela está lá como sempre. Como é qe pode eu não estar mais sentindo o seu peso? Caminho mais depressa, mais depressa e meus joelhos não dóem. Meus pés estão suaves e confortáveis dentro das botas. Minha respiração está leve como se eu tivesse descansando. Será que morri? Não é possível. Sopro minha mão para ver se tenho ar. Ok. Me dou um beliscão para sentir o meu corpo. Ok. Definitivamente não morri. Sigo caminhando cada vez mais rápido. Vejo o chão deslizando sob meus pés como uma esteira rolante. Flutuo. Experimento uma corrida e corro desvairadamente por um tempo. Sinto apenas o chão passando mais rápido sob meus pés. Calma. Resolvo parar de correr com medo de gastar essa energia que ainda não conheço. Ademais, o Caminho de Santiago é para caminhar e não para correr. Já estou chegando no povoado. Já posso ver as primeiras luzes. Estou animado e eufórico sem saber o que está acontecendo. Apenas aproveito essa sensação.
De repente ouço vozes. Barulho conhecido. Esfrego os olhos e vejo pessoas ao meu redor. Estico a perna e bato com força na lateral da cama. Só então percebo que estou acordando de um sonho no albergue Lurgorri no povoado de Mañeru. Pulei do beliche, me vesti e sai sem tomar café. Vou caminhar para pensar nesse sonho. O que será que significa?
Muito bom o texto; dígno de um romance de fixão.
ResponderExcluirAdorei a postagem, tenha mais cautela na sua caminhada e não force muito a barra
ResponderExcluirRapaz vc deveria ser escritor! Tem o dom da escrita, o texto nos envolve de uma forma de tirar o fôlego! Parabéns pelo blog e boa sorte no caminho!
ResponderExcluirNossa, que texto em Luiz, não sabia que você escrevia tão bem..
ResponderExcluirContinue nos presenteando com seus textos, já virei seu fã!!!!!