Por Antonino Brito
Parte II
Deixei propositalmente
minha parceira fora dos últimos relatos da viagem, para recolocá-la nesse
momento crucial, pois ao alertar-me com seu grito estridente, evitou um acidente fatal, o maior
perigo que já passei nesses mais de 10 mil quilômetros de moto pelas estradas
do Brasil.
O animal era cinza, e
nas condições de chuva, inicio de noite e vizeira embaçada, tornou-se invisível
para mim, a alguns milésimos de segundos de um acidente com final trágico para
nossa aventura.
Quando pensei, no
inicio, em colocá-la num ônibus, enganei-me. Sua determinação a fez superar as
dores e incômodos. Ver as belas paisagens e sentir o vento soprando no rosto,
foi sua recompensa por curtir viajar de moto. Viajou cada um dos 6.470 km na
garupa da motoca. Já reconduzida a seu devido lugar de motoqueira, vou pedir
aos amigos leitores que a incluam na leitura anterior, principalmente no belo
dia na Praia do Futuro.
Deixando de lado a
tensão, seguimos mais 80 km na estrada até Juazeiro do Norte, onde chegamos as
8 horas da noite. No domingo de manhã, fomos a missa, na capela onde está enterrado o Padre Santo do Nordeste. A energia que permaneceu naquele ambiente
durante toda a missa, a fé transbordando no olhar dos romeiros, nos fez seguir
a multidão e, tocando o túmulo ao pé do altar, rezamos.
Antes de partir com
destino a Paraíba, fomos conhecer a famosa estátua de Padre Cicero, de chapéu
na mão. Uma agenda sagrada da fé Nordestina.
Na Paraíba, terra
abençoada, terra de Maria, compramos uma legítima rapadura e bolachas sete
capas, típicos do Nordeste para trazer, - mesmo com a mochila já rasgada -, uma
lembrança comestível para familiares.
Rumamos a moto para o
Pernambuco, já passava do meio dia e tínhamos 400 km pela frente. No Sertão
Pernambucano, relembrei as imagens e histórias do maior fluxo migratório brasileiro no seculo XX, o êxodo nordestino, com destino ao Sudeste, mais
precisamente São Paulo. Passei pelo Canal de Transposição do Rio São Francisco,
tive ali a sensação de estar olhando para o futuro.
Em Petrolina tinha uma
missão dada por um Pernambucano que conheci em Fortaleza: tomar banho nas águas
do Velho Chico e conhecer o Bodódromo, um importante e sofisticado recanto
culinário nordestino. O bode assado é pedido obrigatório. Antes das sete da
manhã me lavei nas águas famosas do Rio São Francisco. Missão cumprida,
atravessamos a ponte que faz divisa entre os dois Estados e fomos conhecer a
Bahia de todos os santos.
Na Bahia nos perdemos.
Não só por errar a estrada e mudar a rota, por culpa do GPS do celular (alguém
tem que levar a culpa por ficar sem gasolina no meio do nada e mais de 200 km
percorridos fora da rota), mas também pela sorte, ai sim cabe a sorte, de
curtir a abertura do carnaval da Bahia, em Juazeiro, com o desfile de vários
trios elétricos famosos e para fechar a festa, pular carnaval na Orla do Rio
São Francisco ao som do Trio Elétrico de Ivete Sangalo. Maria pulou tanto que
perdeu o prendedor de cabelo. Eu, sem este pique todo, curti o show da diva baiana acompanhando a multidão frenética e ordeira, hipnotizada por Ivete. Um
belo jeito de conhecer a Bahia.
Na Chapada Diamantina
conheci Jacobina, cidade do ouro, importante polo de riquezas minerais da época
do Brasil Império. Suas belas cachoeiras e belo acervo da historia brasileira,
são um convite à visita. Em Morro do Chapéu, ao avistar vários veículos
estacionados as margens da BR, dei meia volta na 160 e, de mochila nas costas,
descobrimos um oásis: cachoeira do Ferro Doido. Um canyon com belas cachoeiras
e suas águas cor de ouro, reflexo das longas distâncias percorridas em grutas e
pedras de ferro, ate desaguarem formando estas maravilhas da natureza. Pilotei
por mais de 1.300 km em terras de Jorge Amado.
Em Xique Xique avistei
uma C-10 verde, que me fez voltar ao tempo, ao final da década de 1970. Meu pai tinha uma,
na cor bege. Lembrei-me das não raras vezes que saíamos em sua carroceria, eu e
meus irmãos, nas estradas de terra nos confins do Mato Grosso, em Cana Brava.
Em uma destas, após alguns quilômetros comecei a bater desesperadamente na
cabine da C-10 e meu pai parou. "O que foi?" Meu irmão mais velho tinha caído da
carroceria. Saímos correndo naquela estrada empoeirada e lá estava ele,
chorando, com o rostinho molhado de lágrimas e sujo de poeira. Sem um arranhão
sequer. Bela aventura com meu irmão Hélio.
Em terras goianas me
senti um pouco mais em casa. Nascido na Ilha do Bananal, maior ilha fluvial do
mundo, os ares do serrado me eram familiares. Minha parceira estava com muito
entusiasmo, conhecer Brasília e Goiânia seria um dos pontos altos da viagem
para ela.
Rasgar o Planalto
Central, de moto, pela segunda vez tinha um sabor especial. Apresentei a Maria
a Capital Federal, centro do poder politico do Brasil. Na torre de TV, no seu mirante de 70 metros de altura, contemplamos, por um ângulo especial, a esplanada dos ministérios, a catedral e a Praça dos Três Poderes. Deixamos
Brasília com seu imenso desafio politico e pegamos a estrada novamente. A noite estávamos
em Goiânia.
Na Capital do Centro
Oeste, fizemos uma agenda familiar. Visitamos irmãos, tios, primos e juntamente
com minha mãe, passamos uma agradável tarde com minha avó materna.
Ainda em Goiânia, visitamos seus belos bosques e parques com seus leões, tigres e anacondas. Para
não perder o costume, fomos ao Shopping tomar um bom chopp escuro.
Saímos da casa de dona
Francelina, minha mãe, as 6 horas da manhã, segunda feira, 15 dias após o inicio da viagem.
Em Gurupi fui recebido com um bom churrasco na casa do meu tio Adão e a noite,
pedi benção à minha avó paterna com 91 anos de vida. Um exemplo!
Em terras tocantinenses
pela segunda vez nesta viagem, - já que passamos no Bico do Papagaio no inicio da
caminhada -, algumas cenas passavam por minha cabeça enquanto pilotava. Nos 150
km que ainda restavam ate chegar em Palmas, fiz um breve balanço das paisagens
que me chamavam mais a atenção. Em todo sertão nordestino, vi e conversei com
gente simples, solícita e trabalhadora, que mostra, mesmo com suas
peculiaridades, um Brasil de povo forte, batalhador e honesto. Vi na Bahia, um
mar verde do agronegócio que por dezenas de quilômetros não se avista mais
nada, e no final, o verde deixa a impressão que toca o céu. No Tocantins tive a
mesma sensação, só que desta vez era o serrado estendendo-se ao infinito,
entregava-se a linda cordilheira, imponente e majestosa, fazia-se de escada,
indo tocar o céu. O Oceano Atlântico, da praia tem-se a sensação de que o mar
vai tocar o céu e você pode, num barquinho, fazer o mesmo.
Um banho de cachoeira e
um bom papo com amigo Ricardo e sua esposa, foram nossa despedida de Palmas.
Cruzar o rio Araguaia
de volta a terras paraenses, passando em Conceição do Araguaia, tinha um sabor de vitória.
Dezessete dias e 6.470 km depois, tínhamos visitado 9 estados, passado por 157
cidades além do Distrito Federal, nossa capital brasília.
O prazer de uma
aventura dessas está nas descobertas que você faz, nas pessoas que conhece, nas
belezas naturais do nosso grandioso Brasil, e principalmente no sabor da
liberdade, apresentada na forma do vento e seus assobios, a tocar seu rosto e
embalar seus pensamentos, enquanto você toca pra frente a fé, a esperança, a
MOTO e a VIDA.
Quando alguém perguntar
agora de onde sou, responderei: sou nordestino de descendência, sou goiano de
nascença, sou paraense de criação e amor. Sou Brasileiro.
Boa, Antonino. Sem comentários. Mas, comentando, eu diria que isto sim, é aventura; que vocês conhecem o Brasil e que por isto e muito mais vale a pena viver - sem se esquecer dos perigos de estar vivo.
ResponderExcluirBela crônica da vida real. Parabéns e boa sorte nas próximas aventuras. Grande abraço. Zelão.
Valeu Zelao, foi realmente um momento importante para mim e Maria esta viagem, esta aventura. Socializar e sentir o carinho e retorno dos amigos e' gratificante.
ResponderExcluirQue Boa viagem meu Amigo,e que desafios. vocês passaram.Lembranças do passado que você narrou de seu irmão,Helio meu primo.Nem sua irmã sabia dessa história....Hélio ,Excelente!
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