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sexta-feira, 8 de abril de 2016

COLUNA DO LEITOR - CRISE, UMA PROVA DE FOGO (Parte I)


"Há males que vêm para o bem" (Dona Cota).


         Por José O. Zelão V. Reis - pedagogo

            Do grego, a palavra crise (crisys, crisol) pode ser traduzida livremente por fogo ou acrisolamento (queimar).

            De vez em quando ouvimos a expressão prova de fogo quando se quer fazer referência a uma situação difícil, complicada. “Esta é uma prova de fogo”; “fulano está passando por uma prova de fogo”; “o casamento de sicrano está sendo submetido a uma prova de fogo”. Tudo isto pode ser traduzido por: “está em crise”. Mas o que tem a ver crise com fogo ou vice-versa? Vou tentar explicar através de um exemplo simples que os garimpeiros artesanais entendem muito bem.

            Quando o ouro é extraído em sua forma bruta, digo primária, ele vem misturado à terra e a outros minerais inferiores e isto, na linguagem comum, está impuro, precisa ser limpo, purificado; para tal, passa-se por um processo de acrisolamento, de purificação que é feito através do fogo. O garimpeiro/artesão adiciona azougue, uma forma de mercúrio e ateia fogo. Ao evaporar, o mercúrio separa o ouro das impurezas, deixando-o limpo e em forma de pó, pronto para ser trabalhado pelo artista. O ouro bruto passou por um processo de acrisolamento (crise); o fogo evaporou, purificando-o, deixando-o melhor e pronto para ser moldado e talhado conforme a inspiração e o gosto do artista.

            Pensemos na humanidade como uma joia bruta que precisa ser lapidada. Até onde alcança o nosso conhecimento, a humanidade passou por diversas fases até chegar aqui onde estamos e com certeza iremos muito mais além através dos nossos descendentes.

            A Bíblia, através do Gênesis, nos mostra o início da humanidade em sua forma perfeita tal qual nós nos conhecemos hoje: um homem moldado do barro pelas mãos do seu criador “à sua imagem e semelhança e recebendo Dele um sopro de vida” e uma mulher extraída de uma das costelas deste homem “para ser a sua companheira e a ele servir”. Detalhe: ambos nus, sozinhos em um paraíso, apenas na companhia de uma serpente (muito fantasioso para quem sabe que os seus ancestrais não tiveram vida fácil!). Deixemos, porém em paz a memória de Adão e Eva e vamos direto para as cavernas.

            Em épocas remotas, os que hoje chamamos de seres humanos viviam em ambientes, climas e situações muito adversas. Para passar à condição de bípedes até a descoberta do fogo foram milênios de peregrinação – condição de nomadismo – e guerras entre grupos na disputa por espaço, alimento e água – até chegar à condição de sedentarismo. Ainda assim, depois de constituir civilizações, a humanidade viveu séculos e séculos de barbáries, humanizando-se de fato muito lentamente ao longo dos tempos e da história através da criação e consolidação de instituições como família, religião, governos, direitos/justiça. Mas entendemos que esta trajetória da humanidade não foi e não é um crescente ou uma ascensão em linha reta; há muitas curvas, idas e voltas, subidas e descidas, altos e baixos; tempo de plantar, de cuidar e de colher; tempo de paz e tempo de guerra; tempo de bonança e tempo de crise.

            Se alguém tiver curiosidade e/ou interesse de conhecer um pouco da história do Brasil, mesmo que seja a história mais recente, vai ver que seguimos o curso natural da história da humanidade; e o que vivenciamos neste momento, dentro de um contexto histórico e da conjuntura mundial, é mais uma crise que, passageira ou prolongada – espero que passageira -, segue o seu curso. É bem verdade que cada época tem o seu matiz, a sua coloração, a sua temperatura e o seu grau de animosidade – é o ser humano querendo se sobrepor ao seu semelhante; é uma classe social querendo se sobrepor a outra classe social.


            Desde a minha tênue infância até hoje – adulto, pai – tenho vivenciado e acompanhado vários momentos da nossa história e me lembro vivamente de muitos detalhes: gritos, xingamentos, brigas, traições, ânimos exaltados, prisões, torturas, assassinatos, desaparecimentos, autoexílios, exílios forçados, lutas por liberdade, “redemocratização e ascensão do povo ao poder” através de um operário sem diploma universitário e de uma mulher ex-guerrilheira. O que houve de errado nesse percurso? Se olharmos do ponto de vista da classe social que saiu da condição de escravidão e semiescravidão para a condição de cidadão; da condição de mendigo para a condição de trabalhador assalariado; da condição de analfabeto para a condição de doutor; da condição de favelado para a condição de morador em casa com piso e telhado, enfim, da condição de famélico para a condição de bem nutrido nada de errado, é a evolução natural do homem e da mulher em sua condição de ser humano. Porém, se olharmos do ponto de vista da classe social que durante quinhentos e dois anos dominou o país e manteve sob o seu domínio um povo escravo, analfabeto, favelado, desempregado e faminto está tudo errado. Primeiro: na condição de colônia europeia, o Brasil assumiu a condição de europeu – os filhos da oligarquia eram mandados para estudar na Europa, fato que atrasou por séculos a criação de universidades por aqui: filhos de pobre não precisam de escola, muito menos de universidade. Como então aceitar que um nordestino pobre e negro, filho perdido de retirante, semianalfabeto, ainda por cima operário do baixo clero vire Presidente da República e “mande em nós?” Segundo: extremamente machista, o Brasil nunca reconheceu o verdadeiro valor da mulher bem como o seu papel na sociedade. “Lugar de mulher é na cozinha”; “mulher só presta para procriar e cuidar dos filhos” entre outros adjetivos nada salutares e condizentes com o real papel da mulher. Como então aceitar que uma mulher, ainda por cima uma subversiva, ex-guerrilheira vire Presidenta da República e “mande em nós?” Queiram ou não a mulher está ocupando o seu espaço em todos os setores, inclusive no comando político do país, provando ser melhor, menos corrupta e mais competente que os homens e isto fere o brio machista.

Leia a parte II nessa segunda, 11 de abril.

2 comentários:

  1. Um artigo que merece a devida atenção."
    Eu vejo o futuro repetir o passado
    Eu vejo um museu de grandes novidades
    O tempo não pára
    Não pára, não, não pára." Cazuza,como vc sabe Zelao,já dizia isso,ou seja,quem não conhece o passado,não estuda a historia,esta sujeito a cometer os mesmos erros de seus antepassados.

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  2. Excelente... aquela mulher outrora, tirada das costelas, seduzidas pela serpente,apedrejada, queimada na fogueira por expressar seus sentimentos, suas vontades, seus desejos, hoje enfrenta a fúria machista no espaço político, econômico e social. E com a certeza de quem sempre administrou os desafios com sentimento, emoção, discernimento mas também com profunda razão, a mulher certamente mudará a história. Tal como fez com a cobra que a enganou, esmagando sua cabeça, fará com os que querem lhe impedir de conquistar seu espaço. Deixará as costelas e passará a ser a cabeça, o cérebro do Adão.

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