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sexta-feira, 22 de março de 2024

EDUCAÇÃO - VIREI DIRETOR(A). E AGORA?

           

Antônio Carlos é professor de História há 14 anos. Sempre vivenciou de perto os problemas das cinco escolas que trabalhou durante esse tempo. Por diversas vezes, atuou como voluntário para ajudar o diretor em situações como a prestação de contas do Conselho, organizar reunião de pais, dar suporte pedagógico aos professores mais novos, ajudar na matrícula, entre outras tarefas. Sabe o quão difícil são as responsabilidades de um diretor, principalmente num meio onde a educação não é tão prioridade como dizem.

O professor Antônio Carlos, como um bom observador, analisava o trabalho e o comportamento dos seus gestores. Ajudava de forma voluntária e de boa vontade, mas, mantinha um olhar crítico ao ver que muitas coisas não davam certo. “Se fosse eu, resolveria esse problema em dois tempos”. “Não entendo como o diretor Fernando nunca conseguiu resolver isso”. “Parece que tem gente que gosta de problemas”. “Essa diretora é procrastinadora. Desde o inicio do ano que estamos com as centrais do bloco C sem funcionar e ela nunca resolveu”. “Um dia vou ser diretor pra mostrar como as coisas funcionam – comentava ou pensava com seus botões.

Há uma frase que ninguém sabe ao certo de quem é, pois aparece com diversos nomes de autoria, que diz o seguinte: “Tenha muito cuidado com o que você quer, deseja ou fala. Pode trazer para sua vida coisas que jamais quis de fato”. Antônio Carlos era realizado como professor. Amava o seu trabalho e tinha o reconhecimento de toda a comunidade escolar. Mas via a gestão escolar como algo que significava ascensão na sua carreira. Almejava ser diretor e idealizava uma realidade totalmente diferente do real. Nos seus pensamentos, se via sentado numa poltrona de couro preto atrás de uma luxuosa mesa de mogno com várias gavetas. Sua ampla sala, cuidadosamente decorada ao estilo moderno, seria o seu centro de comando onde tomaria grandes decisões e atenderia toda a comunidade escolar. “Serei um diretor de portas abertas e atenderei a todos a qualquer hora. Jamais serei um burocrata” – comentava com alguns colegas de trabalho.

Eis que num dia chuvoso do mês de fevereiro, estava em sala de aula e recebeu uma mensagem que lhe deixou inquieto. “Quando puder, me ligue. Tenho uma proposta para você”. Quando o professor Antônio Carlos viu quem era a autora da mensagem, foi tomado por uma intensa ansiedade. Nem esperou terminar a aula que estava ministrando. Pediu licença aos alunos, disse que tinha um problema urgente para resolver e se dirigiu para a sala dos professores. Ligou imediatamente para a Diretora Regional de Ensino. Seu coração quase sai pela boca quando ouviu a proposta. “Professor, vou direto ao ponto. Quero que você assuma a gestão da escola Professor Silveira Rocha. Pense e me dê a resposta até o final dessa tarde. Passe na diretoria para conversarmos".

A partir desse momento, o professor Antônio não conseguiu mais se concentrar. Pediu licença a sua diretora e disse que não se sentia bem. Precisava ir para casa. Há muito esperava por uma oportunidade dessa. E ela veio de forma inusitada. Teria que tomar uma decisão rápida. “Logo a escola Silveira Rocha? Uma das maiores da rede? Será que vou dar conta?” – pensava angustiado.

O professor Antônio Carlos pensou, pensou e decidiu. Pegou a sua moto e se dirigiu a 51ª Unidade Regional de Ensino. Às 17h53 deu o seu sim à Diretora que, instantaneamente fez os trâmites para a nomeação do novo diretor. Com uma semana depois, a escola Professor Silveira Rocha já tinha um novo diretor. E assim, começou uma nova e desafiadora jornada na vida profissional do empolgado e dedicado professor Antônio.


Bem-vindo ao mundo real



A escola Professor Silveira Rocha, era uma das maiores da rede estadual da cidade. Com mais de 900 alunos matriculados, tinha problemas que já se acumulavam ao longo dos anos. O prédio tinha uma ótima estrutura, mas, sem uma manutenção adequada, foi se deteriorando em todas as áreas. Telhado com goteiras, paredes com infiltração, rede elétrica que dava curto circuito constantemente, mobília inadequada... Mas, todos esses problemas pareciam pequenos diante das outras questões. A escola ficou sob o comando de uma gestora que não tinha habilidade administrativa, muito menos pedagógica. Assim, criou-se um ambiente hostil, com servidores desmotivados, sem gerenciamento, e, com falta de clareza dos objetivos. A escola sequer tinha o PPP – Projeto Político pedagógico.

No primeiro dia de gestão, o professor Antônio decidiu fazer um tour pela escola para ver de perto toda a estrutura. Por ironia do destino, só havia entrado na escola uma vez, na ocasião dos jogos estudantis, onde fora palco das principais partidas devido sua boa estrutura esportiva. Agora, estava ali como gestor, com um olhar diferente e atento a todos os detalhes. Seu José, o vigia mais antigo, dona Joaninha, a responsável pela limpeza, o professor Geraldo de História e a coordenadora Viviani acompanharam o novo diretor nesse tour. Em cada espaço, iam apresentando os problemas numa lista que parecia interminável. Antônio ia anotando tudo na sua agenda e assinalando os mais graves e urgentes. Em cada ambiente ia ficando mais angustiado. Já estava acostumado com os problemas quotidianos que uma escola apresentava, porém, essa escola ultrapassou tudo o que já tinha visto.

A escola não tinha quase nada, nem o básico para o funcionamento de uma unidade escolar. A cozinha, parecia mais um espaço abandonado. Ampla, com espaços de depósitos, porém, não tinha panelas suficientes para a preparação da alimentação escolar, e o único fogão estava funcionando pela metade. O depósito estava quase vazio e o estoque não dava mais nem para dois dias. Na secretaria, havia apenas um velho computador ultrapassado e umas prateleiras enferrujadas de ferro. As salas de aula também não eram nada agradáveis. Carteiras velhas e insuficientes, paredes pichadas, lousas manchadas. Sem contar com as velhas centrais de ar que não funcionavam. Além dos problemas materiais, a escola tinha uma minúscula equipe de manutenção. Apesar de ter 12 salas de aula e mais de 900 alunos, tinha apenas duas funcionárias para a limpeza, uma merendeira e um vigia.

Por falta de segurança na escola Professor Silveira Rocha, os vândalos adentravam no espaço nos finais de semana e, além de depredar, roubavam fios, canos, lâmpadas, deixando a situação ainda pior.

Já era próximo ao meio dia, quando finalmente Antônio Carlos conseguiu entrar na sala do diretor. Agradeceu a equipe que lhe acompanhava e pediu para ficar por um instante só. Entrou naquela sala pequena, escura e desorganizada. Trancou a porta para garantir privacidade e se jogou na velha cadeira giratória que havia atrás de uma velha escrivaninha. Olhou ao redor com olhar atento e percebeu como aquele espaço representava bem a atmosfera da escola. Um ambiente sombrio, desorganizado, com objetos entulhados por todos os cantos, mobília velha e aspecto de desleixo. O cheiro que predominava ali era uma mistura de mofo com alcatrão. O professor – agora diretor – Antônio, sentado na velha cadeira com o encosto solto, chorou. Pensou em desistir, em sair dali correndo e voltar para sua rotina de professor onde era feliz e não sabia.

Enxugou as lágrimas, respirou fundo e ponderou. “Não posso abandonar esse velho barco agora no meio da tempestade. Calma Antônio. Isso é só o começo. Você consegue!” – disse em voz alta como se quisesse convencer a si próprio.

O diretor sabia que tinha uma infinidade de problemas para resolver, de incêndio para apagar e outros para evitar. Imediatamente começou a anotar todas as ações, todas as dificuldades, todas as propostas de mudança, todas as parcerias necessárias e, o mais importante: para cada ação colocou plano A, B, C e D. Não desistiria. Identificou vários problemas da unidade escolar que se acumularam simplesmente pela falta de gestão, como por exemplo: falta do Projeto Político Pedagógico (PPP), falta de organização do Conselho Escolar, falta de entrosamento da Coordenação Pedagógica com a administração, falta de entrosamento com a comunidade escolar para desenvolver o sentimento de pertencimento a escola, falta de ações pontuais para organizar o espaço escolar, entre outros. Viu que por falta da regularização do Conselho escolar a escola deixou de receber verbas dos programas estaduais e federais que poderiam resolver as questões de infraestrutura e da falta de material.

O diretor Antônio também percebeu que muitos problemas dependiam diretamente da secretaria Estadual de Educação. Perguntou à secretária da escola o que já havia sido feito. Ouviu como resposta que vários ofícios já foram encaminhados e que as autoridades tinham ciência dos problemas da escola. Porém, nunca obtiveram respostas.

Debruçou-se sobre uma pilha de papéis e ficou ainda mais assustado. Lembrou do que havia dito anteriormente: “jamais serei um burocrata”. Ledo engano! Percebeu na prática que a burocracia fazia parte do processo de organização em sistemas públicos. Descobriu que não tem como lidar com a vida de estudantes, de funcionários nem com finanças públicas sem seguir um roteiro cheio de protocolos.

Será que o professor Antônio Carlos, excelente educador, será também um excelente gestor? Será que conseguirá resolver os graves problemas da escola Professor Silveira Rocha?

O tempo dirá.


(...) cONTINUA

3 comentários:

  1. Estamos vivendo está realidade no ambiente escolar, infelizmente há muitos protocolos e processos burocráticos no Sistema Público de Ensino, porém temos de capacitar nossos professores para serem bons gestores.

    Haverá continuação da Gestão professor Antônio Carlos? Ele enfrentará a realidade e vai conseguir ser um gestor que fará a diferença na gestão escolar?

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  2. Os problemas sempre parecem fáceis pra quem tá de fora, mas só quem tá dentro que sabe os obstáculos que tem que superar pra alcançar os objetivos.

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  3. Super heróis costumam ser de carne e osso...ele vai necessitar super poderes!

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