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terça-feira, 12 de março de 2024

A TOMADA DO PODER EM BROGODÓ

Os vampiros de Brogodó - Episódio II

 

Esse é um conto de ficção. Qualquer semelhança com a realidade será coisa de sua cabeça

        

        

Tudo caminhava com a devida normalidade na cidadezinha dos confins do mundo no interior da Pensilvânia. Velhos vampiros de Brogodó se revezavam no cargo de prefeito e conduziam a política de forma que o povo acreditasse que tinha participação ativa no processo político. Ledo engano!

        Brogodó respirava política todos os dias do ano, mas quando chegava no ano eleitoral, a coisa pegava fogo literalmente. Os eleitores agiam de forma passional e defendiam com unhas e dentes seus políticos. Se envolviam com tamanha paixão que, as vezes dava até morte. Velhos amigos viravam inimigos; familiares brigavam entre si; casais se separavam. Tudo fazia parte de um jogo envolvente dos vampiros para que aquele povo se sentisse parte do jogo. No fundo, quase todos eram manipulados e estavam no mesmo saco defendendo os interesses dos vampiros contra os seus próprios.

        A cada eleição, os vampiros promoviam dantescos espetáculos e transformavam a disputa num picadeiro, usando e abusando da política pão e circo. O povo se divertia e, muitos aproveitavam para ganhar um dinheirinho ou até mesmo objetos como: óculos, tijolos, telhas, sacas de cimento, cesta básica, dentaduras, etc. Muitos desempregados ou desocupados aguardavam esse momento para conquistar o trabalho dos sonhos que era balançar bandeira nos cruzamentos e acompanhar os políticos nas passeatas e comícios. A ordem era aplaudir e gritar palavras de ordem, independente do que o político falasse. Bastava o sujeito subir no palanque e dizer “boa noite brogodoenses”, já se ouvia gritos histéricos e palavras desconexas como “lindoooo!” “Maravilhosooo!” “Te amooo!”.

        Uma minoria quase insignificante lutava bravamente para mudar aquela situação. Esse grupo era composto majoritariamente por trabalhadores rurais, operários das minas de diamante e alguns intelectuais como, advogados, administradores, engenheiros, padres, e, muitos, muitos professores. Pregavam uma Brogodó para todos com justiça, paz e equidade. Denunciavam a corrupção, as tramoias políticas e os acordos nefastos entre executivo e legislativo. Faziam muitas reuniões e construíam planos para retirar Brogodó das garras dos vampiros. No início, falavam quase que exclusivamente para eles próprios e quase ninguém os levava a sério. Aos poucos, a plateia foi crescendo, mesmo que por curiosidade. Alguns falavam: “vamos lá ouvir o que aqueles malucos estão falando”.

        Esse grupo de opositores foi crescendo, crescendo, ocupando vários espaços até que ficou grande. Se antes as pessoas ouviam com descrédito e desdém, agora já tinha um numero significativo de pessoas que aderiam às ideias e tomavam consciência de que poderiam se unir e derrotar os vampiros. Aquela ideia de que a família vampiresca dos Salins era imbatível, ia perdendo força e, no fundo do túnel começava a aparecer uma luz verde.

        E aconteceu o que muitos duvidavam. O ano era 1940 do ano de Nosso Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus. Ano eleitoral onde os vampiros esperavam confiantes por mais uma eleição “normal” como era de costume. Um velho vampiro, chefe do clã dos Salins que há muito dominava Brogodó sucederia sua mulher que já estava há dois mandatos no poder enquanto seu marido se aventurava por outras bandas. Tudo parecia normal.

        Normal, mas nem tanto. Na eleição para escolha do governador da Pensilvânia que ocorrera há dois anos, os vampiros de Brogodó tomaram o maior susto. Uma mulher quase desconhecida, candidata ao governo pela oposição, deu uma surra no candidato dos vampiros e, só não se elegeu porque sua votação expressiva só se deu em Brogodó. Esse foi um aviso que fez com que a vampirada reforçasse sua defesa e atacasse ainda mais aquele grupo de oposição considerado até então inofensivo.

        Pois muito bem. Voltemos a eleição de 1940. A campanha começou fria até que foi esquentando. A oposição aos vampiros foi tomando corpo e, sem dinheiro, sem estrutura, foi se espalhando como rastro de pólvora. De repente, a cidade inteira foi invadida pela cor lilás que representava a cor do grupo de oposição batizado de BROGODÓ PARA TODOS. A cada comício, a cada passeata, cada carreata, era surpreendente ver como aquele grupo crescia. Foi a campanha mais bonita e apaixonante que Brogodó já vira até então. Muitos até falavam empolgados que aquela era a campanha mais bonita de toda a Pensilvânia ou, quiçá do país.

        A campanha contra os vampiros de Brogodó seguia firme e mais empolgante a cada dia. O candidato representante da oposição foi escolhido pela sua simplicidade, sua simpatia, mas, principalmente devido ao seu carisma de se comunicar com o povão. Dizem as más línguas que ele não tinha a menor ideia do que fosse administração nem governo, e, além de tudo era desorganizado e desleixado até com sua vida pessoal. Mas, seu talento de se comunicar com o povo dava gosto de ver. Era daqueles que saia de casa de manhã para comprar pão para o café e voltava a noite sem os pães, mas cheio de histórias sobre as conversas que tivera com as pessoas na rua. “Eis aí o nosso candidato ideal. No quesito administração, nós daremos um jeito. Nós montaremos uma equipe técnica competente e com habilidade para governar. O Vavá será nosso passaporte para ganhar as eleições dos vampiros. Vamos furar essa bolha” – dizia empolgado o professor João Paulo, líder da oposição.

        Ia tudo muito bem na campanha mais empolgante e bonita de toda a história. O candidato Vavá, a cada dia empolgava mais os eleitores. No início, tinha dificuldade para discursar, mas logo pegou o jeito e, falava por horas para uma multidão cada vez mais entusiasmada. Mas uma coisa começou a deixar os líderes da oposição com uma pulga atrás da orelha. É que apesar do grupo não ter dinheiro e ter que fazer vaquinha até para comprar água, de repente, começou a aparecer uma fartura de material. A multidão que lotava os comícios, aparecia em peso de camiseta lilás e portando bandeiras. Quem comprou? Quem pagou? Ninguém sabia. O Vavá dizia que o povo estava comprando com o próprio dinheiro. Do nada, aparecia um cantor famoso para animar o showmício. Quem contratou? O diretor do comitê não sabia. No palco, a coordenação do evento muitas vezes percebia rostos estranhos àquela campanha. “Quem é esse com cara de barão? Não conheço”. “Quem é esse do chapelão com pinta de latifundiário? Nunca vi mais gordo”. “E essa madame com jeito esnobe, seria uma espiã? Não conheço, mas a bicha é bonita! Deixa ela aí. Pelo menos enfeita nossa campanha”. E o Vavá, sempre muito simpático, muito solícito, ia agregando a todos. No final da campanha, havia mais gente estranha acompanhando-o do que seus próprios amigos e companheiros de partido. Mas, o mistério continuava. Ninguém sabia de onde vinha tanto dinheiro, tanto material e tantas atrações caras. Mas naquela altura do campeonato, era bom nem perguntar. Todos estavam empolgados demais para se preocupar com detalhes sem importância.

        Eis que chegou o dia da eleição. Mesmo com os ataques violentos dos vampiros, o grupo de oposição deu uma lavada e venceu com folga. Mesmo já completando vinte anos, lembro-me como se fosse hoje a explosão de alegria e o clima de empolgação e esperança que tomou conta de Brogodó. Era festa pra todo lado. Até alguns fazendeiros que antes se declaravam inimigos daquele “bando de baderneiros comunistas” – como costumavam se referir ao grupo do Vavá – doaram vacas para o churrasco. Empresários empolgados comemoravam e se diziam ser Vavá desde criancinha. Foi uma vitória para lavar a alma daquele povo sofrido que resolveu, como num passe de mágica, abrir os olhos e se livrar de uma vez por todas dos vampiros.

        Será?


        Segue no episódio III

       

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