Afaste-se do povo
Manual maquiavélico do poder
Se você não leu a parte I, clique aqui e leia antes. Compreenderá melhor e será mais divertido.
Mantenha uma certa distância. Deve parecer popular, mas não exagere, senão se tornará uma figura comum e perderá sua importância. Evite se misturar com populares na feira, nos botecos ou na igreja. Deixe o povo sentir sua ausência e apenas em ocasiões raras se envolva. De vez em quando, apareça na casa de um eleitor humilde e demonstre intimidade. Entre na cozinha, tome um café frio e elogie. Abra as panelas, coloque um punhado de arroz queimado na palma da mão e jogue na boca. Pergunte à dona Maria como ela consegue fazer um arroz tão saboroso.
E não esqueça de sempre dizer que sente falta do contato diário com esse povo. Afirme com ênfase que as responsabilidades do cargo não permitem estar sempre com eles. Nestas raras ocasiões, seja gentil, fale com humildade. Peça aos seus assessores que levantem informações familiares de alguns que tenham alguma liderança. Você não imagina o poder e a magia de chegar para o Zé Ninguém e perguntar: como está seu filho Zezinho? A sua esposa Raimundinha está melhor da coluna? E diga isso tocando o rosto da pessoa. Pronto! O Zé Ninguém que falava aos quatro ventos que quando te encontrasse iria te dar uma peixeirada no bucho, agora declarará amor eterno. “Este é o prefeito! Homem humilde, de bom coração. Lembrou até da minha esposa doente e do meu caçula” – dirá o ingênuo cheio de orgulho.
Realize algumas obras importantes. Especialmente asfalto. Os menos favorecidos gostam disso, mesmo que tenham que pisar em fezes dos esgotos que correm sobre esse asfalto. Construa muitas estradas rurais, faça aterros e enterre muitas manilhas. Se algum intrometido questionar o superfaturamento das obras, mande-o cavar pra conferir o tamanho e a espessura das 2.781 manilhas enterradas e contar as 3.269 caçambas de piçarra usada no aterro. Mas tenha cuidado para não realizar obras duráveis. Faça o asfalto “sonrisal” (que derrete na primeira chuva), aterre as cabeceiras das pontes sem uma base sólida, utilize material de baixa qualidade, embora a licitação indique o contrário. Você pode facilmente colocar a culpa na chuvarada que caiu fora de época e até culpar São Pedro. Vai precisar refazer tudo de novo. Isso, significa mais dinheiro para a campanha e para o enriquecimento pessoal. Avance sem medo. Vá na fé.
Os três primeiros anos passaram como um piscar de olhos. Resta apenas um ano para a reeleição. É vital conquistar o segundo mandato, pois, um prefeito que não se reelege, é considerado um fracassado, um estorvo. Ajuste seu discurso. Diga que “o trabalho tem que continuar”, “o progresso não pode parar”, essas palavras vazias que influenciam os mais frágeis.
Ah, é crucial ter nas mãos pelo menos 90% dos vereadores e todas as autointituladas lideranças políticas. Afinal, dinheiro é o que não falta para esse propósito. Aniquile a oposição. Compre uns, desmoralize outros, amplie as alianças. Dessa forma, sua eleição será tranquila. E para que nada dê errado, por margem de segurança, loteie toda a prefeitura. Distribua todos os cargos entre os partidos políticos, prometa assessoria aos candidatos a vereador que não for eleito. Prometa, prometa, prometa... Ah, e não se esqueça de contratar um batalhão de cabos eleitorais (os chamados formiguinhas) 60 dias antes das eleições. Contrate 5 mil formiguinhas por um salário mínimo, mas declare somente 500 para não ser acusado de abuso de poder econômico. Não faltarão desempregados dispostos a ficar sob o sol balançando bandeiras e lotando seus comícios. Até haverá quem deixe o emprego para aproveitar essa oportunidade que julga ser moleza.
Preste atenção aos detalhes na contratação das formiguinhas (cabos eleitorais). Priorize aqueles com uma grande família de eleitores. Imagine alguém com esposa e quatro filhos aptos a votar! Serão 6 votos garantidos. E pelo menos uma vez, reúna todos, ofereça um café e destaque a importância deles na campanha e no governo após a vitória. Não se preocupe. Após vencer, não será preciso vê-los novamente.
Pronto. Você passou por cima dos adversários como um rolo compressor. Sua vitória foi esmagadora. Desapareça por um tempo da cidade. Deixe os aliados ansiosos, sem saber se serão contemplados com os cargos e secretarias prometidas. Afaste-se desses abutres, dessas hienas famintas. Afinal, todos sabiam que você não conseguiria cumprir nem com dez por cento das promessas. No apagar das luzes, após o Natal, anuncie o novo secretariado de maneira que cumpra parcialmente o acordo com alguns partidos, distribua umas assessorias a alguns de seu interesse e desapareça novamente. Passe o réveillon em uma praia distante com sua família, levando consigo três “assessoras” para oferecer suporte. Se é que você me entende.
Relaxe! Agora você tem mais cacife, mais autoridade. Afinal, se reelegeu prefeito com quase 70% dos votos quando os “especialistas” apostavam que você não se elegeria mais nem pra cão de guarda.
Agora é hora de pensar no seu terceiro mandato.
- Como assim Maquiavel? Terceiro mandato? A regra não diz que são apenas dois?
- Calma, meu filho. Pra tudo há um jeitinho. Vá descansar um pouco, antes que tome gosto e resolva permanecer pra sempre no meu espírito. Na sexta-feira continuamos essa aula.
Esse Maquiavel...!
ResponderExcluirParabéns, texto inteligente que retrata a realidade política do país.
ResponderExcluirAhhh isso já é Luizflix, bora esperar o próximo episódio, Maquiavel está afiado!!
ResponderExcluirEmpolgada aqui e esperando o desfecho, me sinto vivenciando o que até aqui retrataram os dois textos. Kkkkkk
ResponderExcluirRapaz, desconfio que vc está trabalhando pra essa turma de Parauapebas e esse manual vc dar consultoria e que qualquer projeto de político pode lhe contatar!
ResponderExcluirTá perfeito demais, ou vc é o cara da história ou foi uma análise de gênio!
Sensacional.
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