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quarta-feira, 17 de agosto de 2016

O NASCIMENTO DO ESCRITOR

15 de agosto de 2015, sábado com uma lua crescente quase cheia. O avião da Gol toca o solo do aeroporto de Guarulhos depois das 21 horas. Desembarco ansioso e dirijo-me para as esteiras de restituição de bagagens. Parece que quando você está com pressa sua bagagem sempre é a última, só para contrariar. Fico ali parado impaciente vendo a esteira girar enquanto os passageiros com cara de tédio e sono vão retirando suas malas e esvaziando o salão. Enfim, lá vem a minha, quase solitária deslizando devagar. Aquilo demorou uma eternidade. Retiro-a e saio apressado procurando uma loja onde pudesse comprar um cadeado. Esse é um detalhe que deveria ter lembrado em casa, pois esse esquecimento me custou $40 por um cadeadozinho vagabundo. Parece que nos aeroportos todos perdem a vergonha e viram assaltantes.

Mas por que eu precisava tanto de um cadeado a ponto de me submeter a exploração de loja de aeroporto? É que eu resolvi me hospedar num albergue, e foi a primeira vez que o fiz no Brasil. Minha primeira experiência com esse tipo de hospedagem foi em 2013 na Espanha quando fiz o Caminho de Santiago. Achei fantástico dividir o quarto com estranhos e conviver coletivamente. Decidi então que ficaria num albergue. Não por falta de dinheiro, mas queria ter essa experiência no Brasil num momento importante de minha vida. "Tenho que começar com boas energias", pensei. "Vá que eu fique famoso e terei como contar que minha vida de escritor começou num albergue". Infelizmente, quando reservei o albergue no site, havia uma recomendação de manter malas sempre trancadas com cadeado. Lamentei por isso, pois na Espanha ninguém toca em seus objetos nos albergues dos peregrinos. Mas enfim, cada um com sua realidade.

Saí para tomar um taxi. Fiquei quase meia hora esperando numa fila, até que finalmente chegou minha vez. Ao entrar no veículo, eis uma boa surpresa: o motorista era uma mulher. Considerei aquilo um bom sinal. "Boa noite senhor. Para onde vamos?" - perguntou sorridente. Passei o endereço do albergue que trazia salvo no smartphone e ela digitou no GPS do seu celular e saiu devagar do aeroporto congestionado. "É a primeira vez que ando de taxi com uma motorista aqui em São Paulo. Pelo jeito não há muitas mulheres nessa profissão por aqui né?" - observei tentando puxar conversa. "É verdade. Aqui em Guarulhos só vi mais uma mulher", - respondeu com voz amistosa. "A senhora já sofreu algum preconceito?" - pergunto. "E como! Hoje mesmo um senhor me parou e quando viu que era uma mulher, dispensou. Disse que pegaria o próximo" - respondeu com um sorriso. Na conversa descobri que a taxista era uma baiana como eu, e que veio para São Paulo há pouco mais de um mês fugindo do desemprego e do fim de um casamento complicado. Estava na praça havia somente um mês e sonhava  ter seu próprio taxi. Para isso trabalhava das 5 da manhã até meia noite. Eu seria seu último passageiro da noite. "Que baiana arretada", - pensei. Confesso com certa vergonha que senti um pouco de medo quando ela me falou que não conhecia São Paulo e estava na profissão somente há um mês, mas logo relaxei pela forma cuidadosa e paciente como dirigia.

"O senhor veio de tão longe!" - admirou quando falei que estava chegando do Pará. "Veio a negócio? Trabalha com que?" Essa pergunta surgiu como música para meus ouvidos. Até aqui sempre respondia: "sou professor". Dessa vez, estufei o peito todo orgulhoso e respondi: "sou escritor. Vim para o lançamento nacional do meu livro". "Que legal! Parabéns! Vou querer um exemplar autografado" - falou com verdade no tom de voz. "SOU ESCRITOR". Aquela frase ficou reverberando em minha memória com toda imponência. "SOU ESCRITOR". Senti-me importante verdadeiramente.

Enfim, chego ao meu albergue quase meia noite. O lugar era bem agradável e descolado. Os quartos ficavam no andar de cima e as escadas de madeira envernizada trazia em seus degraus poesia da Cora Coralina. "Mais um bom sinal" - pensei. No meu quarto haviam três beliches e só uma estava ocupada por uma moça loira com fones de ouvido nas orelhas e ar de turista. O hospitaleiro me indicou o banheiro no final do corredor e disse que se eu quisesse comer algo, a cozinha estaria disponível com um cardápio do dia - comida árabe. Tomei banho rápido para experimentar a tal comida. Quando retornei ao quarto já haviam mais dois homens. Vesti uma bermuda e uma camiseta e desci para o restaurante que ficava na parte da frente do albergue com uma pequena área com jardim que dava para a rua. Escolhi uma mesa no canto do lado externo e pedi ao garçom que me sugerisse o cardápio, pois não conhecia nada de comida árabe além de quibes. Enquanto esperava, tomei duas cervejas e fiquei pensando no dia seguinte. O local era bem agradável com decoração estilo anos 80. Em cada mesinha continha um pequeno abajur com uma vela acesa, deixando uma sensação de harmonia. Seria meu grande dia, minha estréia. Enfim, comi algo que não me lembro o nome, mas estava gostoso. Parecia um carpaccio bem apimentado e com bastante ervas. Pedi mais uma cerveja para aproveitar o friozinho que fazia. O garçom me recomendou que eu passasse para a área interna do restaurante, pois naquele horário não era seguro ficar ali. Obedeci de pronto.

Já passava de 1 hora da madrugada quando me recolhi. Escolhi a parte de baixo do beliche e fiquei um tempão sem pegar no sono. Já era 16 de agosto e daqui a pouco iria na editora conhecer minha obra. Tudo o que eu tinha visto foi o rascunho da capa que a secretária me alertou que a original ficaria muito mais bonita. Estava me sentindo como um pai de primeira viagem na antessala da maternidade. Pensei que não conseguiria dormir naquela noite. Mas dormi, não sei como.

Sete horas e eu já estava de pé na sala onde era servido o café da manhã. Café com leite, pão de queijo, bolo de fubá, bananas, mamão e suco de laranja. Um verdadeiro banquete para os padrões de um albergue. As 8 em ponto, tomei um taxi em direção a editora. "Olá, gostaria de falar com a Cristiane Rezende", - falei nervoso com a recepcionista. "Olá. Tudo bem? O senhor é?" - perguntou sorridente a moça com cara de secretária. "Sou o Luiz Vieira e vim ver o meu livro". "Ah, pois não senhor Luiz. Sente-se que já vou chamá-la". Estiquei o olho e vi um exemplar do meu livro sobre uma mesa. Quase que invadi o espaço dividido por uma escrivaninha e avancei sobre o livro, mas me contive. De repente surge uma moça aparentando ter uns 35 anos. Usava um terno azul  e se dirigiu a mim estendendo a mão com simpatia. "Oi, é o senhor Luiz Vieira?" "Sim, muito prazer", falei retribuindo o aperto de mão. "Nos falamos tanto por telefone e por email que parece que já lhe conheço", - observou a Cristiane. Felizmente ela percebeu meu estado de ansiedade e foi direto ao ponto. "Preparado para ver seu livro senhor Luiz Vieira?" - perguntou sorridente enquanto se dirigia à mesa do canto onde estava um exemplar. "Sim, por favor", - respondi.

Segurei pela primeira vez o exemplar do livro O escorpião e a borboleta, minha primeira obra. Senti toda a magia daquele momento. Era como se eu tivesse segurando meu primeiro filho. Fiz um esforço para não demonstrar que estava com as mão trêmulas, mas acho que foi em vão. A Cristiane percebendo meu estado de emoção adivinhou meu pensamento e disse: "vamos tirar uma foto? Esse momento tem que ficar registrado". "Sim, por favor", - falei entregando meu celular. 

A noite seria o grande momento de gala. Por ocasião do aniversário de 35 anos da editora Scortecci, eu, juntamente com outros escritores participaríamos da festa de lançamento com toda pompa e circunstância. Agora era só preparar para aproveitar a festa e imaginar uma enorme fila de autógrafos e os flashes nervosos dos fotógrafos. Tudo imaginação. Quem sabe no meu segundo livro?!

5 comentários:

  1. Pelo menos fica a expectativa né? Quem sabe?! Bom saber.

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  2. Puxa Luiz que história linda. Fiquei emocionada de verdade. Você tem a capacidade de nos envolver e nos colocar dentro da história. Fiquei me imaginando ali na mesinha do albergue tomando cerveja a luz de velas e na editora esperando o livro. Parabéns, você já é um grande escritor! O mundo é que ainda não teve o privilégio de te conhecer, mas isso não vai demorar. Um beijão.

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  3. Somos paraenses por adoção né??? Então tomas ....Éguas mano,não contas então a fila de mais de uma hora para autógrafo no lançamento em pebas???

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  4. Parabéns meu escritor preferido. Outros livros de sucesso virão para nossa alegria. Sou sua fã.

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  5. Parabéns escritor Luiz Vieira. Comprei seu livro no site da cultura e mandei para minha mãe que também é escritora. Ela ficou apaixonada. Gostou especialmente do menino anjo e do pântano azul. Falou que você tem espírito de Jorge Amado. (Professor Roberto Santana)

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