Pesquisar este blog

terça-feira, 25 de junho de 2024

OS DESAFIOS DA GESTÃO ESCOLAR NA VISÃO DE UM PROFESSOR GESTOR

 Vai lá, pega a Vice direção. Vice-diretor não faz nada, mesmo!


Por Marcony Castro*

 

O convite para assumir a vice direção da escola chegou de forma inesperada. O que viria pela frente prometia transformar minha rotina. Eu, professor do Ensino Médio no Estado do Pará, com anos de experiência em sala de aula, estava prestes a enfrentar um desafio totalmente novo: a gestão escolar.

Aceitei o convite com um misto de entusiasmo e apreensão. Nos primeiros dias, a imensidão das responsabilidades administrativas rapidamente dissipou qualquer ilusão de facilidade. Trabalhar nos bastidores da escola revelou-se uma tarefa árdua. Antes, meu universo era a sala de aula, com os alunos, lições e provas. Agora, eu me via mergulhado em planilhas, reuniões intermináveis e burocracia.

A inexperiência era um fantasma constante. Cada decisão parecia carregada de um peso enorme, e eu frequentemente me pegava duvidando de minhas escolhas. Os antigos colegas, que antes eram apenas amigos, agora me olhavam com olhos críticos. Algumas críticas eram construtivas, outras, nem tanto. Porém, todas contribuíam para um ambiente de tensão. A amizade que fluía livremente no corredor se transformou em uma formalidade desconfortável nas reuniões de equipe.

A pressão administrativa para alinhar a escola aos programas oficiais do governo era implacável. Havia metas a cumprir, relatórios a entregar, e os desafios eram muitos: garantir a conectividade da internet, gerir os recursos financeiros da escola, e assegurar a qualidade da merenda escolar. Cada problema parecia maior do que o anterior, e as soluções, muitas vezes, pareciam inatingíveis. As centrais de ar quebradas deixavam salas de aula insuportavelmente quentes, comprometendo o aprendizado. Boletins de ocorrência contra casos de ameaças na escola tornavam o ambiente tenso e exigiam uma atenção redobrada para a segurança de todos.

 

No entanto, entre as dificuldades, surgiam momentos de aprendizado e crescimento. Cada crítica recebida me forçava a refletir sobre minhas ações e decisões, levando-me a buscar melhorias constantes. A complexidade dos problemas administrativos me ensinava a importância da paciência e da resiliência. A pressão para fazer a escola funcionar me mostrou a importância da organização e do planejamento.

Com o tempo, comecei a perceber que esses desafios eram oportunidades disfarçadas de obstáculos. A experiência na vice direção estava me moldando, transformando-me de um professor experiente em um gestor em amadurecimento. Aprendi que a gestão escolar não se trata apenas de resolver problemas, mas de criar um ambiente onde alunos e professores possam prosperar e crescer.

Hoje, compreendo que cada dificuldade enfrentada foi um degrau em minha jornada para me tornar um bom gestor. A transição da sala de aula para os bastidores da escola foi um processo doloroso, mas, necessário. Ao enfrentar críticas, pressão e inexperiência, encontrei em mim mesmo uma resiliência que desconhecia. E, assim, continuo a trilhar esse caminho desafiador, com a certeza de que cada obstáculo superado me aproxima mais da excelência na gestão escolar.


*Marcony Castro

Vice-diretor Pedagógico da Escola Cecília Meireles


sexta-feira, 17 de maio de 2024

REVIRAVOLTA NO CENÁRIO POLÍTICO DE PARAUAPEBAS

Não é novidade para ninguém que o governador Helder Barbalho (MDB) não ficou nada satisfeito com a decisão do prefeito Darci Lermen (MDB) de apoiar o Rafael Ribeiro para a sua sucessão. Rafael é visto pelas principais lideranças políticas como inexperiente para essa missão. "Um bom garoto, mais ainda não está preparado. Ainda não é a sua vez" - teria dito o governador.

Segundo informações dos bastidores do próprio time do Darci (e essa análise também é minha), o Rafael seria usado apenas como "boi de piranha" para perder a eleição. Primeiro cria uma crise na gestão,  deixa a cidade em catástrofe e declara apoio a um candidato para perder a eleição. O povo revoltado tende a votar no pior candidato, no tipo falastrão, esculhambado, ou num "velhote" como fez no passado. O eleito, sem nenhuma condição intelectual ou moral para gerenciar um município do porte de Parauapebas, ficaria, se muito, quatro anos. Aí, pimba! Eis o povo pedindo o Darci de volta em 2028.

Para garantir sua estratégia, o Darci peitou o governador e fez Rafael Ribeiro se desfiliar do MDB e filiou-o no UNIÃO. Essa estratégia vai dar certo? Veremos.

Darci já teria usado essa estratégia em 2012 quando impôs, contra tudo e contra todos a candidatura do Coutinho e abandonou-o no meio da campanha. Resultado: o Valmir (conhecido como Velhote) se elegeu fácil (com ajuda oculta da máquina) e fez um mandato desastroso que cimentou a volta do Darci em 2016. Entendeu? Se não entendeu, eu desenho: se um prefeito faz um mandato razoável e se reelege, depois de 8 anos, ninguém saberá quem é Darci. Mas se entra um prefeito estrambelhado e não se reelege, o povo tende a retroagir e sentir saudade do ex que ainda está com as lembranças quentinhas. 

Acontece que o Helder de bobo não tem nada. Com suas pretensões e planos para o futuro, não está nem um pouco a fim de deixar o município mais importante do Pará mergulhar nessa aventura insana. Assim, resolveu mexer  no Xadrez e mobilizar os partidos aliados, principalmente o PDT onde tem muita influência. Ele teria chamado o deputado federal Keniston Braga (MDB)para uma conversa e decidiu apoiá-lo para a campanha de prefeito de Parauapebas. Com essa decisão, embaralhou todo o Xadrez e comeu de uma bocada só o Rei e a Dama. Assim, caberá aos Peões e aos Cavalos se curvarem a estratégia do "Rei do Norte".

No momento, o jogo está 1 X 0 para o governador Helder. Se o governador emplacar sua estratégia e vencer a eleição com Keniston, sai vitorioso na grande final. Caso não consiga e o Aurélio Goiano (AVANTE) vença as eleições, a vitória final será do Darci.

Só gostaria de lembrar que o Darci é o maior estrategista político que já pisou em Parauapebas. Ele conhece como ninguém a alma do eleitorado de Parauapebas e manipula de acordo com sua necessidade. Pode não ser um bom gestor, mas em matéria de campanha eleitoral, bota todo mundo no bolso e engole a oposição.

Qual será o placar final? Por ora, estou apostando no Darci. E você?

Façam suas apostas. Comente aqui. Deixe sua opinião.

quarta-feira, 8 de maio de 2024

VIREI DIRETOR(A). E AGORA?

Parte I


Antônio Carlos é professor de História há 14 anos. Sempre vivenciou de perto os problemas das cinco escolas que trabalhou durante esse tempo. Por diversas vezes, atuou como voluntário para ajudar o diretor em situações como a prestação de contas do Conselho, organizar reunião de pais, dar suporte pedagógico aos professores mais novos, ajudar na matrícula, entre outras tarefas. Sabe o quão difícil são as responsabilidades de um diretor, principalmente num meio onde a educação não é tão prioridade como dizem.

O professor Antônio Carlos, como um bom observador, analisava o trabalho e o comportamento dos seus gestores. Ajudava de forma voluntária e de boa vontade, mas, mantinha um olhar crítico ao ver que muitas coisas não davam certo. “Se fosse eu, resolveria esse problema em dois tempos”. “Não entendo como o diretor Fernando nunca conseguiu resolver isso”. “Parece que tem gente que gosta de problemas”. “Essa diretora é procrastinadora. Desde o inicio do ano que estamos com as centrais do bloco C sem funcionar e ela nunca resolveu”. “Um dia vou ser diretor pra mostrar como as coisas funcionam”– comentava ou pensava com seus botões.

Há uma frase que ninguém sabe ao certo de quem é, pois aparece com diversos nomes de autoria, que diz o seguinte: “Tenha muito cuidado com o que você quer, deseja ou fala. Pode trazer para sua vida coisas que jamais quis de fato”. Antônio Carlos era realizado como professor. Amava o seu trabalho e tinha o reconhecimento de toda a comunidade escolar. Mas via a gestão escolar como algo que significava ascensão na sua carreira. Almejava ser diretor e idealizava uma realidade totalmente diferente do real. Nos seus pensamentos, se via sentado numa poltrona de couro preto atrás de uma luxuosa mesa de mogno com várias gavetas. Sua ampla sala, cuidadosamente decorada ao estilo moderno, seria o seu centro de comando onde tomaria grandes decisões e atenderia toda a comunidade escolar. “Serei um diretor de portas abertas e atenderei a todos a qualquer hora. Jamais serei um burocrata” – comentava com alguns colegas de trabalho.

Eis que num dia chuvoso do mês de fevereiro, estava em sala de aula e recebeu uma mensagem que lhe deixou inquieto. “Quando puder, me ligue. Tenho uma proposta para você”. Quando o professor Antônio Carlos viu quem era a autora da mensagem, foi tomado por uma intensa ansiedade. Nem esperou terminar a aula que estava ministrando. Pediu licença aos alunos, disse que tinha um problema urgente para resolver e se dirigiu para a sala dos professores. Ligou imediatamente para a Diretora Regional de Ensino. Seu coração quase sai pela boca quando ouviu a proposta. “Professor, vou direto ao ponto. Quero que você assuma a gestão da escola Professor Silveira Rocha. Pense e me dê a resposta até o final dessa tarde. Passe na diretoria para conversarmos”.

A partir desse momento, o professor Antônio não conseguiu mais se concentrar. Pediu licença a sua diretora e disse que não se sentia bem. Precisava ir para casa. Há muito esperava por uma oportunidade dessa. E ela veio de forma inusitada. Teria que tomar uma decisão rápida. “Logo a escola Silveira Rocha? Uma das maiores da rede? Será que vou dar conta?” – pensava angustiado.

O professor Antônio Carlos pensou, pensou e decidiu. Pegou a sua moto e se dirigiu a 51ª Unidade Regional de Ensino. Às 17h53 deu o seu sim à Diretora que, instantaneamente fez os trâmites para a nomeação do novo diretor. Com uma semana depois, a escola Professor Silveira Rocha já tinha um novo gestor. E assim, começou uma nova e desafiadora jornada na vida profissional do empolgado e dedicado professor Antônio.



Bem-vindo ao mundo real




A escola Professor Silveira Rocha, era uma das maiores da rede estadual da cidade. Com mais de 900 alunos matriculados, tinha problemas que já se acumulavam ao longo dos anos. O prédio tinha uma ótima estrutura, mas, sem uma manutenção adequada, foi se deteriorando em todas as áreas. Telhado com goteiras, paredes com infiltração, rede elétrica que dava curto circuito constantemente, mobília inadequada... Mas, todos esses problemas pareciam pequenos diante das outras questões. A escola ficou sob o comando de uma gestora que não tinha habilidade administrativa, muito menos pedagógica. Assim, criou-se um ambiente hostil, com servidores desmotivados, sem gerenciamento, e, com falta de clareza dos objetivos. A escola sequer tinha o PPP – Projeto Político pedagógico.

No primeiro dia de gestão, o professor Antônio decidiu fazer um tour pela escola para ver de perto toda a estrutura. Por ironia do destino, só havia entrado na escola uma vez, na ocasião dos jogos estudantis, onde fora palco das principais partidas devido sua boa estrutura esportiva. Agora, estava ali como gestor, com um olhar diferente e atento a todos os detalhes. Seu José, o vigia mais antigo, dona Joaninha, a responsável pela limpeza, o professor Geraldo de História e a coordenadora Viviani acompanharam o novo diretor nesse tour. Em cada espaço, iam apresentando os problemas numa lista que parecia interminável. Antônio ia anotando tudo na sua agenda e assinalando os mais graves e urgentes. Em cada ambiente ia ficando mais angustiado. Já estava acostumado com os problemas quotidianos que uma escola apresentava, porém, essa escola ultrapassou tudo o que já tinha visto.

A escola não tinha quase nada, nem o básico para o funcionamento de uma unidade escolar. A cozinha, parecia mais um espaço abandonado. Ampla, com espaços de depósitos, porém, não tinha panelas suficientes para a preparação da alimentação escolar, e o único fogão estava funcionando pela metade. O depósito estava quase vazio e o estoque não dava mais nem para dois dias. Na secretaria, havia apenas um velho computador ultrapassado e umas prateleiras enferrujadas de ferro. As salas de aula também não eram nada agradáveis. Carteiras velhas e insuficientes, paredes pichadas, lousas manchadas. Sem contar com as velhas centrais de ar que não funcionavam. Além dos problemas materiais, a escola tinha uma minúscula equipe de manutenção. Apesar de ter 12 salas de aula e mais de 900 alunos, tinha apenas duas funcionárias para a limpeza, uma merendeira e um vigia.

Por falta de segurança na escola Professor Silveira Rocha, os vândalos adentravam no espaço nos finais de semana e, além de depredar, roubavam fios, canos, lâmpadas, deixando a situação ainda pior.

Já era próximo ao meio dia, quando finalmente Antônio Carlos conseguiu entrar na sala do diretor. Agradeceu a equipe que lhe acompanhava e pediu para ficar por um instante só. Entrou naquela sala pequena, escura e desorganizada. Trancou a porta para garantir privacidade e se jogou na velha cadeira giratória que havia atrás de uma velha escrivaninha. Olhou ao redor com olhar atento e percebeu como aquele espaço representava bem a atmosfera da escola. Um ambiente sombrio, desorganizado, com objetos entulhados por todos os cantos, mobília velha e aspecto de desleixo. O cheiro que predominava ali era uma mistura de mofo com alcatrão. O professor – agora diretor – Antônio, sentado na velha cadeira com o encosto solto, chorou solitário. Pensou em desistir, em sair dali correndo e voltar para sua rotina de professor onde era feliz e não sabia. Ou será que sabia?

Enxugou as lágrimas, respirou fundo e ponderou. “Não posso abandonar esse velho barco agora no meio da tempestade. Calma Antônio. Isso é só o começo. Você consegue!” – disse em voz alta como se quisesse convencer a si próprio.

O diretor sabia que tinha uma infinidade de problemas para resolver, de incêndio para apagar e outros para evitar. Imediatamente começou a anotar todas as ações, todas as dificuldades, todas as propostas de mudança, todas as parcerias necessárias e, o mais importante: para cada ação colocou plano A, B, C e D. Não desistiria. Identificou vários problemas da unidade escolar que se acumularam simplesmente pela falta de gestão, como por exemplo: falta do Projeto Político Pedagógico (PPP), falta de organização do Conselho Escolar, falta de entrosamento da Coordenação Pedagógica com a administração, falta de entrosamento com a comunidade escolar para desenvolver o sentimento de pertencimento a escola, falta de ações pontuais para organizar o espaço escolar, entre outros. Viu que por falta da regularização do Conselho escolar a escola deixou de receber verbas dos programas estadual e federal que poderiam resolver as questões de infraestrutura e da falta de material.

O diretor Antônio também percebeu que muitos problemas dependiam diretamente da secretaria Estadual de Educação. Perguntou à secretária da escola o que já havia sido feito. Ouviu como resposta que vários ofícios já foram encaminhados e que as autoridades tinham ciência dos problemas da escola. Porém, nunca obtiveram respostas.

Debruçou-se sobre uma pilha de papéis e ficou ainda mais assustado. Lembrou do que havia dito anteriormente: “jamais serei um burocrata”. Ledo engano! Percebeu na prática que a burocracia fazia parte do processo de organização em sistemas públicos. Descobriu que não tem como lidar com a vida de estudantes, de funcionários nem com finanças públicas sem seguir um roteiro cheio de protocolos.

Será que o professor Antônio Carlos, excelente educador, será também um excelente gestor? Será que conseguirá resolver os graves problemas da escola Professor Silveira Rocha?

O tempo dirá.





Parte II




Caro(a) leitor(a), quero que você me ajude a escolher o final para essa história. Colocarei aqui duas opções – Final A e Final B. Diga nos comentários qual o final você prefere.



Final A




A primeira semana de trabalho do professor Antônio Carlos como diretor foi um verdadeiro inferno. Mesmo conhecendo a realidade da educação do seu Estado, jamais ele podia imaginar tamanha catástrofe. Sua primeira tarefa foi identificar todos os problemas da escola. Ok. Nesse ponto, fez um bom trabalho. Produziu um relatório completo com todos os problemas e as sugestões de resolução para cada um. “Falta de professor nas salas de aula. Esse será fácil. Temos todos os professores lotados. É só conscientizá-los a não faltar mais. Falta de merenda. Mais fácil ainda. Basta informar ao secretário de educação. Ele mesmo informou numa live que não deixaria faltar alimento na rede de ensino...” – divagava o diretor todo cheio de esperança.

Nas semanas seguintes, sua angústia apenas aumentou, pois os problemas iam se acumulando e não encontrava nenhuma solução. Em cada porta que batia, encontrava resistência. Os alunos já estavam com uma semana sem a merenda, o que o obrigava a encerrar o turno na hora do recreio. E por mais que ele cobrasse, não tinha solução, pois simplesmente era ignorado.

A falta de professores na sala de aula continuava sendo um problema crônico. Doía o coração do diretor ao ver tantos alunos nos corredores sem aula porque sempre faltava dois ou mais professores. E quando ele começou registrar as faltas, foi chamado de perseguidor e acusado de assédio moral. Sem contar que estavam ameaçando paralisar as aulas pois a maioria das centrais de ar não funcionavam.

E para completar, não conseguiu organizar o Conselho Escolar por falta de interesse da equipe. Tentou várias vezes, mas a comunidade escolar simplesmente não demonstrava nenhum interesse. E, sem Conselho, não havia verba para a escola.

Três meses se passaram e, a Escola Professor Silveira Rocha continuava de mal a pior. O diretor Antônio Carlos se arrependera amargamente de um dia ter sonhado em ser diretor. Estava esgotado, sem esperança e sem motivação. E para piorar, sua saúde estava abalada por uma úlcera nervosa e constantes picos de pressão alta – coisa que nunca tivera antes. Comunicou que queria voltar para sua sala de aula onde era feliz de verdade. Porém, seu chefe imediato disse que ele deveria aguardar até encontrar um substituto. “Você não pode simplesmente abandonar a escola. Quando assumiu sabia dos problemas. No próximo ano resolveremos a sua substituição” – ponderou o chefe do departamento.

Antônio Carlos entrou para a sua sala – que ainda cheirava a mofo -, trancou a porta, se jogou na sua velha poltrona e chorou. Doente, esgotado, sem esperança...

A única vontade era de desaparecer para nunca mais pisar numa escola. A essa altura, nem professor – a profissão que ele tanto amava - queria mais ser. A escola tornou-se um túmulo para ele, onde se sentia sendo enterrado vivo a cada dia.



Final B




Pra começo de conversa, o diretor Antônio Carlos se apoderou de todas as informações e das burocracias inerentes a coisa pública. Assim, poderia cobrar das autoridades de forma mais assertiva. “Veja que ironia do destino. Eu que sempre falei mal da burocracia, agora vejo que é inevitável e necessária para controle das ações e dos recursos públicos” – refletiu. A burocracia a que ele se referia eram as regras e os documentos para acessar os recursos da escola, prestação de contas, relatórios de desempenho escolar, etc. Entendeu que tudo aquilo fazia parte da organização.

A Escola Professor Silveira Rocha vivia outros tempos. O dinamismo do seu novo diretor estava dando outros ares no ambiente. A mudança foi perceptível logo nos primeiros dias. Antônio Carlos, com muita dedicação, organização e perseverança foi organizando passo a passo. Como um bom administrador, com sua habilidade de gestor e liderança, foi conquistando cada membro da comunidade escolar. O maior desafio foi convencer a equipe de que a escola só teria motivos de existir se apresentasse bons resultados. Assim, trabalhou entre o corpo docente a importância de se fazer um bom planejamento, de cumprir honestamente a carga horária, de ter empatia com os alunos e se responsabilizar com o resultado dos mesmos. “Trabalho bom é aquele que traz resultado concreto e os nossos resultados pedagógicos são nosso cartão de visita” – repetia sempre como um bordão.

No início, ganhou uma certa antipatia de alguns colegas, principalmente quando ele insistia que os professores voltassem para a sala após o final do intervalo diziam na surdina uma para os outros: “lá vem o opressor. Quando era professor era amigo dos colegas. Agora que virou diretor, quer nos dar ordens. Isso é assédio moral”. O diretor sentia esse clima, mas não desistia. Com habilidade, ia conversando com cada um individualmente, dando feedback, elogiando e cobrando. Aos poucos, a maioria foi percebendo as melhorias no ambiente escolar e, passaram a colaborar para melhorar ainda mais.

“A Escola Professor Silveira nem parece a mesma. Parabéns diretor Antônio!” – disse um pai todo orgulhoso.

Realmente, a escola não era mais a mesma após quatro meses da nova gestão. É isso mesmo. Em apenas três meses aquele ambiente já estava totalmente transformado. Milagre? Não. Gestão eficaz e eficiente. Primeiro o diretor cuidou das questões técnicas. Articulou um grupo de professores sob a coordenação da coordenadora pedagógica para elaborar o PPP – Projeto Político Pedagógico. Designou a vice-diretora a formar uma equipe para fazer o levantamento dos procedimentos para fundar o Conselho escolar. Orientou-a a formar um Grupo de Trabalho com cinco professores, cinco pais e cinco estudantes e estabeleceu um prazo de 15 dias para que se apoderassem de toda a metodologia e das regras para instituir o Conselho.

Antônio Carlos cuidou pessoalmente da articulação com a comunidade. Elaborou uma agenda de diálogo com pais e alunos. Estabeleceu a meta de conversar individualmente com 15 pessoas por dia. Em duas semanas já havia conversado com 150 pessoas entre pais e alunos. Nessas conversas, foi franco e apresentou com transparência os problemas da escola e solicitou a colaboração objetiva de cada um. “O senhor acha que essa escola está à altura do seu filho? Ela realmente será capaz de preparar seu filho para o mercado de trabalho? O que o senhor sugere para mudarmos isso?” – Questionava aos pais. “Como você se sente estudando numa escola cheia de pichação e com sujeira espalhada nas salas e no pátio? Na sua opinião, quem são os responsáveis por isso? Como você se vê no final do ensino Médio? Sonha em passar no ENEM, ou vestibular? A escola está te preparando para isso?” – Questionava aos alunos.

Com esses questionamentos, ia mostrando aos pais e alunos a possibilidade de outra realidade. Preparou gravuras de escolas bonitas e bem conservadas. Fixou na parede da diretoria gráficos mostrando resultados de pesquisas de rendimento de alunos de escolas de periferias pobres e as escolas bem estruturadas dos centros ou até particulares. E dizia: “Todos o direito a uma escola decente, organizada, com todos os professores ensinando com maestria e tudo funcionando. Temos que cobrar juntos do Estado, mas, enquanto ele não nos atende, temos que buscar alternativas. A nossa revolução será criar as oportunidades para que nossos filhos tenham o direito a uma educação de excelência. Tanto faz que seja o filho do doutor ou do operário”. Assim, o diretor Antônio Carlos ia criando uma corrente que contagiava.

Em menos de sessenta dias a escola já contava com um Conselho Escolar participativo e dinâmico. O Projeto Político Pedagógico se tornou uma referência para as demais escolas, pois teve ampla participação de toda a comunidade organizada. Os alunos estavam empolgados com a criação do Grêmio Escolar. A escola ganhou um novo ritmo. É certo que perdeu alguns professores que preferiram pedir transferência por não se adaptar à nova realidade da escola. Mas, outros professores chegaram para somar.

E não foi só no aspecto técnico que a escola estava mudando não. Numa assembleia do Conselho Escolar com a comunidade decidiram não esperar mais pela reforma prometida pelo Estado. Fizeram um mutirão para mudar a cara da escola. Uns doaram tinta, outros doaram telhas. Muitos doaram mão de obra e até comida para o almoço coletivo. O dono da floricultura do bairro propôs fazer um mutirão com os alunos para arborizar a escola e fazer um jardim. Dava gosto ver aquela comunidade unida e decidida a transformar a realidade da educação dos seus filhos.

Ao ver a rápida transformação da Escola Professor Silveira, alguns comentavam: isso é milagre do diretor Antônio Carlos. O diretor respondia categórico: “eu apenas iniciei e incentivei. Esse é o milagre da mobilização dos pais, professores e alunos. Quando a comunidade quer, o milagre acontece”.

Realmente, toda a transformação da escola parecia milagre. Antes, quem entrasse na escola se depararia com espaços internos sujos, áreas externas com o mato predominando, sucatas de carteiras jogadas no fundo do terreno e até no pátio, paredes pichadas com palavrões, piso encardido, carteiras sujas, mobílias velhas, corredores cheios de alunos fora da sala em horário de aula por falta de professor ou por indisciplina, salas de informática sucateada ou servindo de depósito de livros e demais materiais, biblioteca sem acervo e abandonada...

Agora, a comunidade tem uma escola limpa, com pintura nova, jardins bem cuidados, salas técnicas funcionando perfeitamente. Nos muros, ao invés de pichação, tem arte em grafite feita pelos próprios alunos no projeto coordenado pela professora de Artes. A coordenadora fez uma campanha de limpeza com o tema: “O espaço mais limpo não é o que mais se limpa, e sim o que menos se suja”. Nessa campanha, os alunos, além de serem conscientizados a não sujarem a escola, ainda ajudavam na limpeza que antes era feito apenas por uma servente. Nos corredores, só se via alunos circulando na hora do recreio, pois todos estavam em sala de aula aprendendo com professores motivados e comprometidos com os resultados.

O diretor Antônio Carlos estava feliz e realizado. Sabia que ainda tinha muito trabalho pela frente. Esse era apenas o começo.

Um bom começo.

           

 

 

quarta-feira, 17 de abril de 2024

OS DESAFIOS DA GESTÃO DEMOCRÁTICA NA ESCOLA

  Por Luiz Vieira       

No dia 16 de abril, a 21ª DRE (Diretoria regional de Ensino) reuniu seus diretores dos municípios que compõem a regional – Parauapebas, Curionópolis, Eldorado dos Carajás e Canaã - para um treinamento sobre a aplicação dos recursos públicos na escola. O evento aconteceu no auditório do CEUP (Centro Universitário de Parauapebas) e foi considerado um sucesso total.


Um dos pontos altos do encontro foi a apresentação dos diretores numa dinâmica onde cada um falava seu nome, sua escola e sua filosofia de gestão. As palavras mais citadas foram:

GESTÃO DEMOCRÁTICA

GESTÃO DESCENTRALIZADA

GESTÃO HUMANIZADA

GESTÃO PARTICIPATIVA

GESTÃO COMPARTILHADA

Todos esses termos culminam na GESTÃO DEMOCRÁTICA.

Mas afinal, o que é GESTÃO DEMOCRÁTICA?
Organizar e promover uma gestão democrática no ambiente escolar é uma das tarefas mais difíceis do diretor escolar. Porém, me atrevo a dizer que é a principal forma da escola dar certo e a gestão colher os frutos que são resultados naturais desse modelo. A principal dificuldade está na compreensão do conceito. Alguns profissionais ainda confundem gestão democrática com o modelo lassiez-faire (o deixar fazer, deixar acontecer). A ideia equivocada aqui é a de que um diretor democrático tem que jogar todas as decisões para a equipe. Ele não gerencia nada, apenas deixa acontecer e vive praticando contorcionismo para agradar a todos.

Fazer gestão democrática envolve vários fatores, entre eles, a capacidade de liderança, a criatividade e a compreensão do processo. Como não é tarefa fácil, muitos se escondem atrás de desculpas do tipo: a comunidade é desinteressada, não participa da escola, não vem nem para reunião de pais ou não tem conhecimento técnico para participar de questões sérias da escola.

Um bom líder vai descobrir que o primeiro passo para fazer gestão democrática é trazer a comunidade para dentro da escola. Uma vez descoberto isso, ele passa a articular com todos os atores sociais que compõem essa comunidade: professores, funcionários, estudantes, associações, sindicatos, etc. O primeiro teste de fogo vai ser o poder de articulação e a liderança do diretor. Uma vez superado esse teste, vem a segunda e mais importante ação: ORGANIZAR O CONSELHO ESCOLAR. Quando falo ORGANIZAR, significa criar um conselho orgânico, atuante, que realmente participe das decisões da escola e não aquele conselho que serve apenas para assinar as atas com as decisões.

Então, fica claro que não existe gestão democrática sem a participação organizada da comunidade escolar através do Conselho. E se trazer a comunidade escolar para dentro da escola já é um desafio, imagine administrar essa comunidade! Esse é outro teste de fogo para o gestor moderno. Saber administrar interesses divergentes, conciliar ideias, valorizar e incentivar o livre pensamento, acolher o contraditório, encorajar o debate franco e honesto, liderar, moderar, são alguns dos atributos indispensáveis para esse gestor.

Vivemos numa sociedade plural com múltiplas faces, crenças e interesses. E isso, se bem trabalhado pelo líder gestor, se transforma em energia criativa para impulsionar o motor da escola e alcançar resultados surpreendentes.

Isso dá trabalho? Muito. Trazer a comunidade para dentro da escola é um caminho sem volta. No início, será estressante, cansativo, contraproducente e às vezes, conflituoso. Mas é um interessante exercício de cidadania que a escola tem a obrigação de fazer. E o primeiro paradigma que temos que quebrar é o de que a comunidade não tem interesse de participar das atividades da escola. No lugar disso, substituiremos esse conceito por: a comunidade não foi educada para participar da escola, não foi incentivada a compartilhar decisões, não foi acostumada a valorizar de fato a educação, não tem o hábito de frequentar a escola, não descobriu que tem poder de escolha e decisão.

Quebrando esse paradigma, a escola estará contribuindo para a transformação da sociedade. Aí sim, a educação está acontecendo de verdade e de forma completa. Será o grande milagre do cidadão descobrindo a cidadania na essência da palavra. Será o milagre do ser descobrindo que é um sujeito de direitos e deveres. E esse processo, que no início será amargo, durante a execução se tornará doce e trará resultados positivos para a escola e a sociedade. Repito: é um caminho sem volta.

Agora é com você gestor e gestora. Lidere sua equipe. Lidere sua comunidade.

           

           

segunda-feira, 8 de abril de 2024

HOMO SARTREANUS

 *Por Gentil Eduardo


Mestre, a qual corrente filosófica representas?

- O existencialismo ateu, que eu represento, é mais coerente que os demais, creio.

- O que trás tal movimento de tão relevante, para representá-lo?

- Afirma que, se Deus não existe, há pelo menos um ser no qual a existência precede a essência.

- A qual ser te referes?

- A um ser que existe antes de poder ser definido por qualquer conceito, este ser é o homem, a realidade humana. 

- O que significa, aqui, dizer que a existência precede a essência? 

- Significa que, em primeira instância, o homem existe, encontra a si mesmo, surge no mundo, só posteriormente se define. 

- O homem é aquilo que ele faz de si mesmo?

- O homem, tal como o existencialista o concebe, só não é passível de uma definição porque, de início, não é nada

- O que vem à se tornar?

- Só posteriormente será alguma coisa e será aquilo que ele fizer de si mesmo.

- Essa seria a propalada natureza humana?

- Bobagem filho, não existe natureza humana, já que não existe um Deus para concebê-la.

- Logo, o homem é uma incógnita de si mesmo, é isso?

- O homem é tão-somente, não apenas como ele se concebe, mas também como ele se quer; como ele se concebe após a existência, como ele se quer após esse impulso para a existência. 

- Logo, a essência do  homem nada mais é do que aquilo que ele faz de si mesmo?

- É esse o primeiro princípio verdadeiro do existencialismo.

- Ao existir, define seus modelos de crença,  em essência?

- Desta forma, o homem acredita que crê, ele se toma como ser-crença, quando na verdade ele é consciência da crença.

- Um Homo dogmaticus conscientizado?

- Portanto, o nada é essa distância estabelecida pela consciência e que aniquila o ser em seu próprio cerne. 

- Se torna um autoengano ao definir seus sistemas de crenças?

- O homem é habitado por uma falácia: o desejo de ser, que é o desejo de fundamentar-se a partir do outro que não ele mesmo. 

- Por fim, torna-se um vácuo existencial?

- Assim, o Humanismo existencialista, exige que o homem seja o fundamento sem fundamento de todos os valores, que ele se invente a partir do nada que ele é, ao invés de se autodeterminar por algo que lhe é exterior, seja a família, o Estado, o partido político, a religião, os valores, ou qualquer tipo de determinismo social, biológico ou psicológico.

Verdade seja dita. 


* Gentil Eduardo é servidor público, Professor licenciado em Educação Física (UEPA); Licenciando em Filosofia (UNIASELVI); Pós graduação em Metodologia de Ensino de Filosofia e Sociologia (UNIASELVI); Liderança e Gestão  de Equipes (FAERMAT); Psicologia do Esporte, e outros.


quarta-feira, 27 de março de 2024

A SWAT EM BROGODÓ E A ORAÇÃO DA SANTA

Esse é um conto de ficção. Qualquer semelhança com a realidade, será apenas coisa de sua cabeça.

Era um dia de sexta-feira do mês de fevereiro de 1957 do ano do Nosso Senhor Jesus Cristo. Lembra de Brogodó? A cidadezinha encravada ao sopé das montanhas de diamante, terra que jorrava leite e mel, onde a riqueza gerada daria para enriquecer toda a população e ainda sobraria muito. Mas, como vocês já viram nos episódios anteriores (se ainda não viu, tome vergonha nessa cara e volte na primeira parte), o que era para ser uma bênção, se transformou numa maldição. A riqueza trazida pelo diamante arrancado das profundezas das montanhas de Brogodó atraíram velhos vampiros que se revezavam no poder executivo. A Côrte do Povo que funcionava como um parlamento, também teve boa parte dominada por esses vampiros e, assim, tudo ocorria dentro da normalidade vampiresca.

Na Côrte do Povo, havia uma cortesã que representava o povo de Brogodó com uma genialidade jamais vista. Seu nome era Elizabete III - a Grã Marquesa. Mesmo Elizabete fazendo todo tipo de tramoia e praticando todo tipo de "sem-vergonhices", era vista por seus eleitores e simpatizantes como uma santa. Com uma voz nasal, um inglês sofrível que não conseguia pronunciar dez palavras sem atropelar o verbo e a concordância, mesmo assim, conseguia arrancar aplausos da plateia dos fiéis seguidores. Também não vamos negar. Apesar da Grã Marquesa não ser nada inteligente, tinha uma habilidade especial para seduzir, manipular e encantar sua plateia. Geralmente começava seu discurso com as palavras: "Eu como mulher, como mãe, como esposa, como cristã, como evangélica temente a Deus..." Assim, usando uma capa religiosa que agradava muita gente, Elizabete III ia enganando a quase todos. Chegou a ser chamada de Santa por muitos.

Mas, veja cara leitora e caro leitor. Nem mesmo as santas escapam das "maldades" desse povo "mal" que não respeita nem as "autoridades". Pois bem. Naquela sexta-feira, mais uma vez a cidade de Brogodó foi visitada pela S.W.A.T. Esse órgão responsável por combater a corrupção na Pensilvânia, chegou na rica cidade dos vampiros de surpresa e foi direto para a Secretaria de Educação e para a casa do secretário José Bial. Segundo denúncias, esse órgão operava um pesado esquema de corrupção responsável pelo desvio de milhões de dólares. Também havia suspeita de rachadinha, uso político da estrutura, funcionários fantasmas e até alunos fantasmas para justificar o aumento de carga horária de alguns professores.

O pobre secretário José Bial ficou atônito quando recebeu os homens de preto da S.W.A.T às 6 horas da manhã. Apesar de ser o secretário de educação, o pobre coitado, homem simplório, não tinha a menor ideia da gravidade da situação. Afinal, quem mandava na sua secretaria era sua madrinha, a Elizabete III. Ela mesma. A santa, a Grã Marquesa de Brogodó. Como ela tinha cargo na Côrte do Povo, designou uma ajudante de ordens para dar os comandos na secretaria que ela comandava, mesmo a bichinha não tendo capacidade. Mas, vá lá, a menina tinha capacidade para obedecer, e isso já bastava. Nesse sentido, o pobre secretário, estava mais perdido do que cachorro quando cai do caminhão de mudança. Acompanhava a tudo trêmulo, pálido, mais branco do que uma vela. 

O baculejo durou umas duas horas. Quando tudo acabou, o José Bial correu para a casa da sua madrinha Elisabete III. Essa, já sabendo do que tinha acontecido, muito nervosa, nem deixou o pobre rapaz entrar na sua casa. Do interfone, falou que estava orando e que ás 20h o procuraria na casa secreta - local bem escondido onde a Grã Marquesa guardava documentos comprometedores e alguns objetos de valor.

A santa passou todo aquele dia orando e agradecendo a Deus pelo livramento. Temia que a S.W.A.T fosse também em sua casa. Aí seria o fim. Enquanto orava, foi tratando de juntar documentos, aparelhos celulares, dinheiro... Separou tudo em uma caixa e mandou seu motorista levar para sua casa secreta onde morava um fiel escudeiro de sua inteira confiança. "Obrigado meu Deus por não ter deixado esses cães dos infernos virem em minha casa. Esse seria o meu fim" - repetia a santa com os joelhos brancos no chão.

A noite, a santa pediu ao seu esposo que ficasse em casa enquanto iria resolver uns problemas. "Meu amor, fique em casa e não saia por nada. Vou resolver aquela situação e não tenho horas para chegar. Fique de olho nas câmeras e preste atenção nas pessoas que passam em frente. Não abra o portão para ninguém" - ordenou a santa. Já no seu carro, ligou para seu namorado e combinou de encontrarem na saída da casa secreta às 21 horas. Namorado? Sim, o que você tem com isso? A santa merece ser feliz!

Às 20h, como combinado com seu pupilo José Bial, chegou à casa secreta e iniciou logo a conversa. "Meu amigo, não se preocupe. Esses cães só querem dinheiro e se for preciso, nós daremos. Não diga nada a ninguém, não fale com jornalistas, não escreva nem uma notinha. Fique calmo que eu vou resolver tudo" - ordenou a Grã Marquesa com segurança e frieza. José Bial chorou, lamentou mas, no final confiou em sua santa. Recebeu um abraço de consolo e foi pra sua casa descansar. Afinal, aquele tinha sido um dia de cão. Agora se sentia mais aliviado e seguro com as palavras da santa. Apesar do numero de documentos levados de sua casa e do seu gabinete, a santa havia garantido que o que tinha de comprometedor estava bem guardado numa caixa em lugar seguro naquela casa onde estavam.

Como combinado, a Grã Marquesa saiu às 21h do seu esconderijo e a dois quarteirões, num ponto sem iluminação, parou seu carro para seu namorado entrar. Foram para outra casa secreta para relaxar, amar  e tomar whisky. Antes que você, leitor maldoso me questione o fato da santa tomar whisky, já que é evangélica, vou logo te adiantando: ela merece e pronto. Você não tem nada a ver com isso. 

Extasiada, a santa voltou para casa as duas horas da madrugada onde encontrou seu marido sentado numa poltrona em frente ao monitor de 50 polegadas vigiando a rua pelas câmeras. Ordenou que ele fosse dormir no quarto de hóspedes pois estava muito exausta e precisava ficar sozinha. Entrou para seu quarto e dormiu como um anjo. Ou melhor: como uma santa.

sexta-feira, 22 de março de 2024

EDUCAÇÃO - VIREI DIRETOR(A). E AGORA?

           

Antônio Carlos é professor de História há 14 anos. Sempre vivenciou de perto os problemas das cinco escolas que trabalhou durante esse tempo. Por diversas vezes, atuou como voluntário para ajudar o diretor em situações como a prestação de contas do Conselho, organizar reunião de pais, dar suporte pedagógico aos professores mais novos, ajudar na matrícula, entre outras tarefas. Sabe o quão difícil são as responsabilidades de um diretor, principalmente num meio onde a educação não é tão prioridade como dizem.

O professor Antônio Carlos, como um bom observador, analisava o trabalho e o comportamento dos seus gestores. Ajudava de forma voluntária e de boa vontade, mas, mantinha um olhar crítico ao ver que muitas coisas não davam certo. “Se fosse eu, resolveria esse problema em dois tempos”. “Não entendo como o diretor Fernando nunca conseguiu resolver isso”. “Parece que tem gente que gosta de problemas”. “Essa diretora é procrastinadora. Desde o inicio do ano que estamos com as centrais do bloco C sem funcionar e ela nunca resolveu”. “Um dia vou ser diretor pra mostrar como as coisas funcionam – comentava ou pensava com seus botões.

Há uma frase que ninguém sabe ao certo de quem é, pois aparece com diversos nomes de autoria, que diz o seguinte: “Tenha muito cuidado com o que você quer, deseja ou fala. Pode trazer para sua vida coisas que jamais quis de fato”. Antônio Carlos era realizado como professor. Amava o seu trabalho e tinha o reconhecimento de toda a comunidade escolar. Mas via a gestão escolar como algo que significava ascensão na sua carreira. Almejava ser diretor e idealizava uma realidade totalmente diferente do real. Nos seus pensamentos, se via sentado numa poltrona de couro preto atrás de uma luxuosa mesa de mogno com várias gavetas. Sua ampla sala, cuidadosamente decorada ao estilo moderno, seria o seu centro de comando onde tomaria grandes decisões e atenderia toda a comunidade escolar. “Serei um diretor de portas abertas e atenderei a todos a qualquer hora. Jamais serei um burocrata” – comentava com alguns colegas de trabalho.

Eis que num dia chuvoso do mês de fevereiro, estava em sala de aula e recebeu uma mensagem que lhe deixou inquieto. “Quando puder, me ligue. Tenho uma proposta para você”. Quando o professor Antônio Carlos viu quem era a autora da mensagem, foi tomado por uma intensa ansiedade. Nem esperou terminar a aula que estava ministrando. Pediu licença aos alunos, disse que tinha um problema urgente para resolver e se dirigiu para a sala dos professores. Ligou imediatamente para a Diretora Regional de Ensino. Seu coração quase sai pela boca quando ouviu a proposta. “Professor, vou direto ao ponto. Quero que você assuma a gestão da escola Professor Silveira Rocha. Pense e me dê a resposta até o final dessa tarde. Passe na diretoria para conversarmos".

A partir desse momento, o professor Antônio não conseguiu mais se concentrar. Pediu licença a sua diretora e disse que não se sentia bem. Precisava ir para casa. Há muito esperava por uma oportunidade dessa. E ela veio de forma inusitada. Teria que tomar uma decisão rápida. “Logo a escola Silveira Rocha? Uma das maiores da rede? Será que vou dar conta?” – pensava angustiado.

O professor Antônio Carlos pensou, pensou e decidiu. Pegou a sua moto e se dirigiu a 51ª Unidade Regional de Ensino. Às 17h53 deu o seu sim à Diretora que, instantaneamente fez os trâmites para a nomeação do novo diretor. Com uma semana depois, a escola Professor Silveira Rocha já tinha um novo diretor. E assim, começou uma nova e desafiadora jornada na vida profissional do empolgado e dedicado professor Antônio.


Bem-vindo ao mundo real



A escola Professor Silveira Rocha, era uma das maiores da rede estadual da cidade. Com mais de 900 alunos matriculados, tinha problemas que já se acumulavam ao longo dos anos. O prédio tinha uma ótima estrutura, mas, sem uma manutenção adequada, foi se deteriorando em todas as áreas. Telhado com goteiras, paredes com infiltração, rede elétrica que dava curto circuito constantemente, mobília inadequada... Mas, todos esses problemas pareciam pequenos diante das outras questões. A escola ficou sob o comando de uma gestora que não tinha habilidade administrativa, muito menos pedagógica. Assim, criou-se um ambiente hostil, com servidores desmotivados, sem gerenciamento, e, com falta de clareza dos objetivos. A escola sequer tinha o PPP – Projeto Político pedagógico.

No primeiro dia de gestão, o professor Antônio decidiu fazer um tour pela escola para ver de perto toda a estrutura. Por ironia do destino, só havia entrado na escola uma vez, na ocasião dos jogos estudantis, onde fora palco das principais partidas devido sua boa estrutura esportiva. Agora, estava ali como gestor, com um olhar diferente e atento a todos os detalhes. Seu José, o vigia mais antigo, dona Joaninha, a responsável pela limpeza, o professor Geraldo de História e a coordenadora Viviani acompanharam o novo diretor nesse tour. Em cada espaço, iam apresentando os problemas numa lista que parecia interminável. Antônio ia anotando tudo na sua agenda e assinalando os mais graves e urgentes. Em cada ambiente ia ficando mais angustiado. Já estava acostumado com os problemas quotidianos que uma escola apresentava, porém, essa escola ultrapassou tudo o que já tinha visto.

A escola não tinha quase nada, nem o básico para o funcionamento de uma unidade escolar. A cozinha, parecia mais um espaço abandonado. Ampla, com espaços de depósitos, porém, não tinha panelas suficientes para a preparação da alimentação escolar, e o único fogão estava funcionando pela metade. O depósito estava quase vazio e o estoque não dava mais nem para dois dias. Na secretaria, havia apenas um velho computador ultrapassado e umas prateleiras enferrujadas de ferro. As salas de aula também não eram nada agradáveis. Carteiras velhas e insuficientes, paredes pichadas, lousas manchadas. Sem contar com as velhas centrais de ar que não funcionavam. Além dos problemas materiais, a escola tinha uma minúscula equipe de manutenção. Apesar de ter 12 salas de aula e mais de 900 alunos, tinha apenas duas funcionárias para a limpeza, uma merendeira e um vigia.

Por falta de segurança na escola Professor Silveira Rocha, os vândalos adentravam no espaço nos finais de semana e, além de depredar, roubavam fios, canos, lâmpadas, deixando a situação ainda pior.

Já era próximo ao meio dia, quando finalmente Antônio Carlos conseguiu entrar na sala do diretor. Agradeceu a equipe que lhe acompanhava e pediu para ficar por um instante só. Entrou naquela sala pequena, escura e desorganizada. Trancou a porta para garantir privacidade e se jogou na velha cadeira giratória que havia atrás de uma velha escrivaninha. Olhou ao redor com olhar atento e percebeu como aquele espaço representava bem a atmosfera da escola. Um ambiente sombrio, desorganizado, com objetos entulhados por todos os cantos, mobília velha e aspecto de desleixo. O cheiro que predominava ali era uma mistura de mofo com alcatrão. O professor – agora diretor – Antônio, sentado na velha cadeira com o encosto solto, chorou. Pensou em desistir, em sair dali correndo e voltar para sua rotina de professor onde era feliz e não sabia.

Enxugou as lágrimas, respirou fundo e ponderou. “Não posso abandonar esse velho barco agora no meio da tempestade. Calma Antônio. Isso é só o começo. Você consegue!” – disse em voz alta como se quisesse convencer a si próprio.

O diretor sabia que tinha uma infinidade de problemas para resolver, de incêndio para apagar e outros para evitar. Imediatamente começou a anotar todas as ações, todas as dificuldades, todas as propostas de mudança, todas as parcerias necessárias e, o mais importante: para cada ação colocou plano A, B, C e D. Não desistiria. Identificou vários problemas da unidade escolar que se acumularam simplesmente pela falta de gestão, como por exemplo: falta do Projeto Político Pedagógico (PPP), falta de organização do Conselho Escolar, falta de entrosamento da Coordenação Pedagógica com a administração, falta de entrosamento com a comunidade escolar para desenvolver o sentimento de pertencimento a escola, falta de ações pontuais para organizar o espaço escolar, entre outros. Viu que por falta da regularização do Conselho escolar a escola deixou de receber verbas dos programas estaduais e federais que poderiam resolver as questões de infraestrutura e da falta de material.

O diretor Antônio também percebeu que muitos problemas dependiam diretamente da secretaria Estadual de Educação. Perguntou à secretária da escola o que já havia sido feito. Ouviu como resposta que vários ofícios já foram encaminhados e que as autoridades tinham ciência dos problemas da escola. Porém, nunca obtiveram respostas.

Debruçou-se sobre uma pilha de papéis e ficou ainda mais assustado. Lembrou do que havia dito anteriormente: “jamais serei um burocrata”. Ledo engano! Percebeu na prática que a burocracia fazia parte do processo de organização em sistemas públicos. Descobriu que não tem como lidar com a vida de estudantes, de funcionários nem com finanças públicas sem seguir um roteiro cheio de protocolos.

Será que o professor Antônio Carlos, excelente educador, será também um excelente gestor? Será que conseguirá resolver os graves problemas da escola Professor Silveira Rocha?

O tempo dirá.


(...) cONTINUA

quarta-feira, 13 de março de 2024

DARCI APRESENTA RAFAEL RIBEIRO AO PT E CAUSA BAIXA IMPORTANTE NA LEGENDA

Depois da última visita do governador em Parauapebas, na ocasião da inauguração da reforma da escola Eduardo Angelim, o cenário político tomou novo rumo. Durante o seu discurso, Helder Barbalho causou mal estar no prefeito com a história dos caititus e dos blogueiros vazios. (Leia a matéria aqui).

Depois disso, o governador chamou as suas lideranças de Parauapebas (Kenyston, Braz, Rafael e Darci) para um café sem açúcar e bateu o martelo em torno do nome de Ivonaldo Bráz, que, segundo ele, tem mais condições e experiência para barrar a sanha da oposição e ganhar as eleições. 

O prefeito Darci, não gostou nem um pouco de ser contrariado e resolveu peitar o governador e mostrar a ele quem é que manda nessa joça. Entrou em campo para procurar um partido para seu pupilo Rafael Ribeiro. E não deu outra. Foi ao PT, partido que, mesmo ele tendo se desfiliado em 2016, continua tendo total influência. 

A reunião com o diretório petista aconteceu no último sábado, 09 de março. Rafael Ribeiro foi apresentado como candidato a ser apoiado pelo PT. Há inclusive a possibilidade do Rafael se filiar ao PT ou se candidatar pelo PSDB e fazer dobradinha com o PT. Tudo está na mesa de negociação e deve se acertar nos próximos dias.


Baixa no PT


Quem não gostou nem um pouco dessa negociação foi o professor Raimundo Neto. O mesmo, tinha colocado seu nome a disposição como opção para candidatura do PT. A apresentação foi fruto de um debate entre um grupo importante de filiados que acham que já chegou a hora do PT sair da sombra do Darci e apresentar candidatura própria. 

O diretório do PT resolveu ignorar o nome do Raimundo Neto e, sem ao menos dialogar, reuniu quase secretamente e abriu as portas para os planos do Darci. Acontece que Neto não está sozinho. Além de ser um nome histórico no partido, tem um grupo grande que deve lhe acompanhar na sua decisão, e não apoiará a decisão do diretório. 

Veja abaixo a carta de desfiliação que o professor Raimundo Neto apresentou ao Partido dos Trabalhadores de Parauapebas:


Há cerca de 40 anos, iniciei minha militância no Partido dos Trabalhadores – PT, ainda muito jovem, nos anos finais da ditadura militar, na década de 80. Na época, morava em Imperatriz.

No início dos anos 90, mudei-me para Parauapebas, onde continuei minha militância no PT, sendo este o único partido ao qual fui filiado, permanecendo até ontem, 12.03.24. Após tanto tempo de engajamento, tudo tem seu fim.

Minha decisão de sair deve-se à profunda incompatibilidade entre meu pensamento e o dos dirigentes locais do PT sobre as próximas eleições. O PT local recusou-se a seguir o calendário interno estabelecido em seus próprios atos normativos.

Por esses motivos, decidi deixar o partido. Continuarei firme com minha ideologia de esquerda, mantendo-me como sempre fui, moderado.

Expresso minha eterna gratidão aos companheiros e companheiras que me acolheram durante esses anos de militância.

Raimundo Oliveira Neto


terça-feira, 12 de março de 2024

A TOMADA DO PODER EM BROGODÓ

Os vampiros de Brogodó - Episódio II

 

Esse é um conto de ficção. Qualquer semelhança com a realidade será coisa de sua cabeça

        

        

Tudo caminhava com a devida normalidade na cidadezinha dos confins do mundo no interior da Pensilvânia. Velhos vampiros de Brogodó se revezavam no cargo de prefeito e conduziam a política de forma que o povo acreditasse que tinha participação ativa no processo político. Ledo engano!

        Brogodó respirava política todos os dias do ano, mas quando chegava no ano eleitoral, a coisa pegava fogo literalmente. Os eleitores agiam de forma passional e defendiam com unhas e dentes seus políticos. Se envolviam com tamanha paixão que, as vezes dava até morte. Velhos amigos viravam inimigos; familiares brigavam entre si; casais se separavam. Tudo fazia parte de um jogo envolvente dos vampiros para que aquele povo se sentisse parte do jogo. No fundo, quase todos eram manipulados e estavam no mesmo saco defendendo os interesses dos vampiros contra os seus próprios.

        A cada eleição, os vampiros promoviam dantescos espetáculos e transformavam a disputa num picadeiro, usando e abusando da política pão e circo. O povo se divertia e, muitos aproveitavam para ganhar um dinheirinho ou até mesmo objetos como: óculos, tijolos, telhas, sacas de cimento, cesta básica, dentaduras, etc. Muitos desempregados ou desocupados aguardavam esse momento para conquistar o trabalho dos sonhos que era balançar bandeira nos cruzamentos e acompanhar os políticos nas passeatas e comícios. A ordem era aplaudir e gritar palavras de ordem, independente do que o político falasse. Bastava o sujeito subir no palanque e dizer “boa noite brogodoenses”, já se ouvia gritos histéricos e palavras desconexas como “lindoooo!” “Maravilhosooo!” “Te amooo!”.

        Uma minoria quase insignificante lutava bravamente para mudar aquela situação. Esse grupo era composto majoritariamente por trabalhadores rurais, operários das minas de diamante e alguns intelectuais como, advogados, administradores, engenheiros, padres, e, muitos, muitos professores. Pregavam uma Brogodó para todos com justiça, paz e equidade. Denunciavam a corrupção, as tramoias políticas e os acordos nefastos entre executivo e legislativo. Faziam muitas reuniões e construíam planos para retirar Brogodó das garras dos vampiros. No início, falavam quase que exclusivamente para eles próprios e quase ninguém os levava a sério. Aos poucos, a plateia foi crescendo, mesmo que por curiosidade. Alguns falavam: “vamos lá ouvir o que aqueles malucos estão falando”.

        Esse grupo de opositores foi crescendo, crescendo, ocupando vários espaços até que ficou grande. Se antes as pessoas ouviam com descrédito e desdém, agora já tinha um numero significativo de pessoas que aderiam às ideias e tomavam consciência de que poderiam se unir e derrotar os vampiros. Aquela ideia de que a família vampiresca dos Salins era imbatível, ia perdendo força e, no fundo do túnel começava a aparecer uma luz verde.

        E aconteceu o que muitos duvidavam. O ano era 1940 do ano de Nosso Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus. Ano eleitoral onde os vampiros esperavam confiantes por mais uma eleição “normal” como era de costume. Um velho vampiro, chefe do clã dos Salins que há muito dominava Brogodó sucederia sua mulher que já estava há dois mandatos no poder enquanto seu marido se aventurava por outras bandas. Tudo parecia normal.

        Normal, mas nem tanto. Na eleição para escolha do governador da Pensilvânia que ocorrera há dois anos, os vampiros de Brogodó tomaram o maior susto. Uma mulher quase desconhecida, candidata ao governo pela oposição, deu uma surra no candidato dos vampiros e, só não se elegeu porque sua votação expressiva só se deu em Brogodó. Esse foi um aviso que fez com que a vampirada reforçasse sua defesa e atacasse ainda mais aquele grupo de oposição considerado até então inofensivo.

        Pois muito bem. Voltemos a eleição de 1940. A campanha começou fria até que foi esquentando. A oposição aos vampiros foi tomando corpo e, sem dinheiro, sem estrutura, foi se espalhando como rastro de pólvora. De repente, a cidade inteira foi invadida pela cor lilás que representava a cor do grupo de oposição batizado de BROGODÓ PARA TODOS. A cada comício, a cada passeata, cada carreata, era surpreendente ver como aquele grupo crescia. Foi a campanha mais bonita e apaixonante que Brogodó já vira até então. Muitos até falavam empolgados que aquela era a campanha mais bonita de toda a Pensilvânia ou, quiçá do país.

        A campanha contra os vampiros de Brogodó seguia firme e mais empolgante a cada dia. O candidato representante da oposição foi escolhido pela sua simplicidade, sua simpatia, mas, principalmente devido ao seu carisma de se comunicar com o povão. Dizem as más línguas que ele não tinha a menor ideia do que fosse administração nem governo, e, além de tudo era desorganizado e desleixado até com sua vida pessoal. Mas, seu talento de se comunicar com o povo dava gosto de ver. Era daqueles que saia de casa de manhã para comprar pão para o café e voltava a noite sem os pães, mas cheio de histórias sobre as conversas que tivera com as pessoas na rua. “Eis aí o nosso candidato ideal. No quesito administração, nós daremos um jeito. Nós montaremos uma equipe técnica competente e com habilidade para governar. O Vavá será nosso passaporte para ganhar as eleições dos vampiros. Vamos furar essa bolha” – dizia empolgado o professor João Paulo, líder da oposição.

        Ia tudo muito bem na campanha mais empolgante e bonita de toda a história. O candidato Vavá, a cada dia empolgava mais os eleitores. No início, tinha dificuldade para discursar, mas logo pegou o jeito e, falava por horas para uma multidão cada vez mais entusiasmada. Mas uma coisa começou a deixar os líderes da oposição com uma pulga atrás da orelha. É que apesar do grupo não ter dinheiro e ter que fazer vaquinha até para comprar água, de repente, começou a aparecer uma fartura de material. A multidão que lotava os comícios, aparecia em peso de camiseta lilás e portando bandeiras. Quem comprou? Quem pagou? Ninguém sabia. O Vavá dizia que o povo estava comprando com o próprio dinheiro. Do nada, aparecia um cantor famoso para animar o showmício. Quem contratou? O diretor do comitê não sabia. No palco, a coordenação do evento muitas vezes percebia rostos estranhos àquela campanha. “Quem é esse com cara de barão? Não conheço”. “Quem é esse do chapelão com pinta de latifundiário? Nunca vi mais gordo”. “E essa madame com jeito esnobe, seria uma espiã? Não conheço, mas a bicha é bonita! Deixa ela aí. Pelo menos enfeita nossa campanha”. E o Vavá, sempre muito simpático, muito solícito, ia agregando a todos. No final da campanha, havia mais gente estranha acompanhando-o do que seus próprios amigos e companheiros de partido. Mas, o mistério continuava. Ninguém sabia de onde vinha tanto dinheiro, tanto material e tantas atrações caras. Mas naquela altura do campeonato, era bom nem perguntar. Todos estavam empolgados demais para se preocupar com detalhes sem importância.

        Eis que chegou o dia da eleição. Mesmo com os ataques violentos dos vampiros, o grupo de oposição deu uma lavada e venceu com folga. Mesmo já completando vinte anos, lembro-me como se fosse hoje a explosão de alegria e o clima de empolgação e esperança que tomou conta de Brogodó. Era festa pra todo lado. Até alguns fazendeiros que antes se declaravam inimigos daquele “bando de baderneiros comunistas” – como costumavam se referir ao grupo do Vavá – doaram vacas para o churrasco. Empresários empolgados comemoravam e se diziam ser Vavá desde criancinha. Foi uma vitória para lavar a alma daquele povo sofrido que resolveu, como num passe de mágica, abrir os olhos e se livrar de uma vez por todas dos vampiros.

        Será?


        Segue no episódio III

       

terça-feira, 5 de março de 2024

OS VAMPIROS DE BROGODÓ

 

PARTE I


No ano de 1924 da era do Nosso Senhor Jesus Cristo, o povo se preparava para uma nova eleição em Brogodó, uma cidadezinha enigmática, encravada nas montanhas de diamante no Estado da Pensilvânia . O nome, considerado esquisito por muitos, era uma justa homenagem ao igarapé que cortava a cidade e, outrora, servia como fonte de lazer e garantia água limpa para a população. Devido a má gestão de Brogodó, o igarapé agora era apenas um corredor de águas fétidas carregadas de clorofórmio fecal.

        Devido a grande atividade mineradora nas montanhas de diamante de Brogodó, a prefeitura tinha uma receita maior do que muitos Estados americanos. Mas, o que era para ser uma bênção, virou uma maldição para o povo brogodoense que vivia numa constante contradição. Tanta riqueza gerada e o povo vivia numa pobreza que dava dó. Eu explico essa contradição: devido as vultuosas quantidades de dinheiro gerada pela mineração, Brogodó atraiu vampiros de todos os cantos do país. Esses vampiros, disfarçados de homens de bem, descobriram um método para se revezar no poder de Brogodó e assim, sugarem todo o sangue do povo e suas riquezas.

        E o povo, de tanto ter o sangue sugado, estava apático e sem condições de reagir ao sistema implantado pelos vampiros. Alguns, até tentavam reagir, ameaçavam tomar o poder dos vampiros, mas, no final, como num encantamento vampirístico, todos agiam como bobalhões, paspalhões e acabavam contribuindo para que os vampiros permanecessem no poder. E assim, Brogodó continuava se afundando cada vez mais num círculo vicioso.

        A cada eleição, a história se repetia. Os não vampiros se uniam para expulsar os vampiros do poder. Os líderes não vampiros, espumando de ódio, prometiam vingança. “Dessa vez, vamos nos unir e botar esses vampiros ladrões de sangue para correr. Chega de roubalheira” – dizia seu Raimundo do mercadinho. “Vou votar em um cachorro, mas não voto mais nesse FDP chifrudo” – ameaçava seu Paulo da farmácia. “Agora chegou a hora do povo dar o troco. Vou botar pra torar nesses sanguessugas nojentos. Vamos nos unir meu povo. Não podemos esperar. A nossa hora é agora” – esbravejava com valentia o pré-candidato Zé Boca de Burro fingindo lacrimejar no olho esquerdo.

        Será que esse ano seria diferente?

        No fundo, bem lá no fundo, os não vampiros não tinham bons propósitos para Brogodó. Queriam apenas ocupar o lugar dos vampiros para continuar sugando o sangue do povo. E o povo? Ah, o povo! Esse era um capítulo a parte. Quando chegava o período eleitoral, aqueles que viviam ameaçando fincar uma estaca de madeira santa no peito dos vampiros, faziam filas nos comitês para oferecer seu trabalho como cabos eleitorais para ajuda-los, em troca de algum benefício ou até vãs promessas. E assim, tudo se repetia eleição após eleição.

        Já foram registrados casos em Brogodó de políticos não vampiros que conseguiram furar a bolha e chegar ao poder, mas foram mordidos pelos vampiros e se aliaram, tornando-se até piores. Mas, esse será um novo capítulo dessa história.