By Luiz Vieira
Essa é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com a
realidade, será mera coincidência
Parte I
Tudo estava
tranquilo no submundo frio e fétido do esgoto. Ratos e ratazanas viviam no seu
ambiente se alimentando dos dejetos que corriam fartamente do mundo dos
humanos. Ali, todos eram felizes e viviam em harmonia. Seguiam a ordem para não
ultrapassar os limites do esgoto e não adentrar no mundo dos humanos.
De vez em
quando, um ou outro rato rebelde quebrava a rotina e, movido pela curiosidade e
atraído pelo cheiro dos humanos, desobedeciam às ordens e saiam do esgoto em
busca de aventura e novidade. Geralmente, eram esmagados, pisoteados ou
envenenados. Apesar do perigo e das recomendações contrárias, cada vez mais,
aumentava o número de ratos rebeldes que ignoravam o perigo de circular entre
humanos.
Um velho
rato viciado em queijo, viveu sua vida inteira traçando um plano para se tornar
humano e conviver fora do submundo dos esgotos. Em uma de suas aventuras, já
bem à vontade na sua incursão na farta cozinha de homens engravatados e
poderosos, foi contaminado por uma fatia de queijo envenenado. O pobre rato
escapou da morte, mas a mistura do veneno com a saliva de um humano corrupto,
provocou um efeito nunca visto antes na história dos ratos: ele começou a
sofrer um processo de mutação. Lentamente, foi desenvolvendo as características
físicas de humanos. No início, foi uma tragédia. Passou a ser hostilizado pelos
seus semelhantes e forçado a viver isolado num canto do esgoto onde todos
evitavam passar perto.
Com o passar
do tempo, o que era uma aberração, passou a ser uma atração para os ratos,
principalmente para os mais jovens ou para os velhacos que viviam saudosos do
tempo em que frequentavam a cozinha do palácio negro dos humanos. Aos poucos,
começaram a frequentar aquela área isolada do esgoto e ouvir as histórias do
velho rato transmutado. E passaram a chama-lo de MITO.
Parte II
Cada dia
mais popular entre a horda de ratos que almejavam viver entre humanos, o velho
rato transmutado ia ganhando mais adeptos. A cada dia, seu físico se parecia
mais com humano, enquanto o cérebro continuava de rato. Agora, com o isolamento
afrouxado devido a sua popularidade entre os ratos, organizava excursões pelo
mundo dos humanos e ensinava os ratos a copiar o comportamento deles. E mais:
após tanta insistência, descobriu a combinação que havia lhe causado a
transmutação. Agora, ele não estava só. Uma legião de ratos transmutados
crescia exponencialmente.
Animado com
seu sucesso e o número de ratos transmutados, o rato chefe que era chamado de
mito, traçou um plano para viver definitivamente no mundo dos humanos.
- Lá é bem
melhor e poderemos nos adaptar facilmente. Além de sermos numerosos,
encontraremos muitos aliados entre os humanos que pensam quase igual a nós.
Vamos dominar geral, e quem sabe, ocupar o topo. Os melhores queijos nos
aguardam! – falou o rato chefe aos gritos empolgados dos seus adeptos.
- Mito,
mito, mito...
O rato chefe
ganhou um nome de humano. Passou a ser chamado de Picotauro. Estava cada vez
mais entrosado ao mudo humano. Entrou para o exército e, apesar da pouca
habilidade e inteligência, mas com muita astúcia, conseguiu ser promovido a
cabo. Mas logo foi expulso por indisciplina e por atentar contra a instituição.
Para evitar escândalo, o exército optou pela aposentadoria compulsória. Agora
ele queria mais. “Quero entrar no centro do poder, onde muitos pensam como eu”.
E virou deputado. Lá ficou quase três décadas sem fazer nada, só observando o
comportamento de seus pares e aprendendo. Achou tudo muito parecido com sua
realidade do esgoto da Ratolândia.
Picotauro
queria mais. Achou que já era hora de dar um passo maior. “Quero estar no
centro do poder e mandar nessa porra toda. Empolgado com o sucesso dos seus
semelhantes ratos transmutados que ocupavam posições importantes, decidiu pôr
em prática seu velho plano. Numa assembleia secreta na galeria central do
esgoto, traçou minuciosamente seu plano junto com seus parceiros que já era
maioria.
- Vamos
dominar geral essa porra. Chega de viver na sombra. Vamos assumir tudo e nos
vingar desses filhos da puta dos humanos que nos pisoteou, nos envenenou, nos
esmagou com suas armadilhas cruéis – bradou Picotauro com baba na boca.
- Mito,
mito, mito... – respondia a turba de ratos transmutados como se estivessem em
transe, hipnotizados.
- E para
começar, vamos atrair os humanos que mais se parecem conosco. Vamos usar suas
ferramentas e seus pontos fracos – falou Picotauro.
- A
internet. Os humanos adoram internet e espalham notícias falsas sem nenhum
escrúpulo. A maioria só se informa por essa ferramenta e acredita cegamente –
opinou um membro da assembleia.
- Bravo,
muito bem. Vamos usar a internet e espalhar notícias falsas. Vamos fazer com
que os humanos se odeiem, se matem. Mas alguma ideia? – Perguntou Picotauro.
- Meu cabo,
notei que muitos humanos tem uma obsessão por armas. Deve ser alguma tara.
Vamos aproveitar esse instinto e armar todo mundo. Assim eles terão a falsa
sensação de segurança e se matam mais rápido – opinou um rato-humano musculoso
e de cabeça pequena.
- Ótima
ideia! Aplausos. Alguém mais? – Respondeu Picotauro sorrindo e fazendo um gesto
com a mão direita e o dedo indicador em riste na horizontal como se estivesse
atirando. Todos os presentes imitaram seu gesto.
- Cabo
Picotauro, notei que muitos humanos parecidos conosco tem um lado reprimido.
São homofóbicos, racistas, machistas, genocidas, misóginos, tem ódio dos seus
semelhantes pobres, mas vivem escondidos e disfarçados devido as leis que
criminalizam esse comportamento e a perseguição do povo dos Direitos Humanos.
Por que não começamos a exaltar e propagar esse comportamento como atitude de
quem tem coragem e de quem é verdadeiro? E quem for contra, chamamos de nutela,
de mi-mi-mi. Que tal?
- Muito bem
meu filho. Você é foda. Já tá até falando difícil como a escória humana. Há,
há, há... – respondeu Picotauro com uma risada sádica de contentamento.
- Cabo
Picotauro, além de usar a internet para espalhar nossas ideias, vamos chamar
todo mundo que não concordar conosco de comunista, de esquerdista, de
terrorista. E vamos chamar todo universitário de vagabundo maconheiro. E aos
cientistas filhos da puta, vamos desacreditá-los, dizer que vivem às custas do
dinheiro público para plantar mentira e espalhar o comunismo – falou empolgado
um ratão-humano de meia idade cheio de anabolizante.
- É isso aí.
Gostei dessa. Nem sei o que significam essas palavras mas se é para ferrar com
os humanos, “tamo junto” – empolgou-se Picotauro. Mais alguém tem outra ideia?
- Senhores,
senhoras, gostei de todas as ideias. Mas temos que encontrar um jeito criativo
para enganar os humanos e não assustá-los. Lembrem-se de que antes de
exterminar com essa raça de “estrumes”, precisamos deles para a nossa causa –
falou uma voz dissonante no fundo da assembleia.
- Muito bem
senhora. Até que enfim, uma ratazana fala algo que se aproveite. Explique
melhor – falou Picotauro com ironia.
- É o
seguinte: temos que ter algum grupo humano que nos dê cobertura e ajude a
legitimar nossas ideias. Vamos usar as igrejas, vamos ocupar os templos e
convencer as almas mais fracas e ambiciosas para a nossa causa – respondeu a
ratazana do fundo da galeria vestida como uma devota e com uma Bíblia na mão.
- Bravo,
bravo, bravo. Aplauso para a nossa membra ilustre. Agora você será nossa
representante nisso aí – gritou histericamente Picotauro espalhando perdigoto.
– E agora vamos deixar de conversa e vamos partir para a prática. Soldados,
patriotas, vamos ao ataque. Abaixo os humanos!
- Mito,
mito, mito... – Gritava a turba de ratos transmutados como um exército de
zumbis.
Continua?
Não sei.
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