Num dia qualquer, enquanto relaxava
de mais um dia intenso de trabalho, uma moça me
sai com essa:
- (...) seu coração bate esquisito!
- Como assim, esquisito? – indaguei.
Ela escutou
mais um pouco com ar de enfermeira e perguntou:
- Há quanto
tempo você não faz um checkup?
- Fiz no ano
passado – respondi.
- Fez
eletrocardiograma?
- Não. Esse
eu fiz há uns dois anos – respondi com sentimento de culpa.
- Pois
amanhã mesmo vou agendar uma consulta no cardiologista para você. Esse coração
tá muito esquisito – sentenciou-a em tom severo.
-
Claro que não! Meu coração está perfeito. Minha pressão sempre foi 12X8 –
minimizei o alarme.
Mesmo com minha resistência, sua
insistência foi maior. Em uma semana, lá
estava eu no consultório particular de uma cardiologista examinando o coração.
E eu que sempre tive uma excelente saúde, de me gabar que meus checkups não
davam nem verme, de ter um fôlego de atleta, de nunca ter sentido absolutamente
nada... fui surpreendido com esse diagnóstico:
- O
que está acontecendo com esse coração senhor José Luiz? – pergunta a médica
observando o eletrocardiograma com cara de preocupada.
- Não
sei doutora. Não sinto nada de anormal.
- Já
sentiu dor no peito, tontura...?
-
Nada. Nunca senti nem dor de dente.
- Faz
exercício físico?
-
Sim. No mínimo quatro vezes por semana. Musculação e treino muay thai –
respondi convicto.
- E
quando se exercita, sente cansaço?
- De
jeito nenhum.
-
Estranho. Seu exame mostra um problema na válvula aórtica. E, provavelmente
você já sofreu um infarto – sentenciou a jovem médica num tom grave.
Recebi esse diagnóstico como um soco no
estômago. Senti minha cabeça girar e a garganta fechar. Até então, só havia
recebido elogios dos médicos. “Você tem uma saúde de ferro!” “Seu coração é de
leão”, “tem fôlego de atleta...” Aos 51 anos, recebi aquela notícia como uma
sentença de morte. E para completar, a médica ainda disse que eu teria que
procurar um grande centro para fazer um cateterismo. “Talvez consiga resolver só com medicamento; talvez seja preciso
colocar uma válvula para corrigir ou até mesmo haja a necessidade de fazer uma
cirurgia”. Essas palavras martelavam em minha mente que nem conseguia mais
ouvir as orientações da médica bonitona. “Evite
frituras, carnes gordas... coma bastante fibras...” “Ora bolas, nos últimos 10
anos de minha vida tenho me alimentado corretamente. Cortei tudo o que faz
mal... A única coisa que não cortei foi a cerveja nos finais de semana, e as
vezes em excesso”, - pensei encabulado.
Com o
ânimo bastante abatido, fui para casa atordoado, mas sem demonstrar a ninguém
meu estado de espírito. Passei uma semana tentando levar uma vida normal, mas
só conseguia pensar em minha morte. Nunca tive medo de morrer, mas de repente,
me dei conta de que ainda havia um monte de coisas a fazer, muitas coisas a
realizar. “Que droga! Agora que tenho a
oportunidade de dar minha contribuição para transformar a educação de
Parauapebas, vou morrer?! Não vou ter a oportunidade de ser avô...” Um
filme começou a rodar em minha cabeça. Lembrei das aventuras e loucuras que já
aprontei nessa vida, dos perigos de morte que já corri, do meu gosto pelo
perigo e, inevitavelmente, lembrei das inimizades que cultivei.
Instintivamente,
comecei a agir como se vivesse o último dia da minha vida. Coloquei as contas
em dia, liguei para amigos distantes, adiantei reuniões de trabalho, conferi
e-mails... Até conclui a revisão do meu livro sobre o Caminho de Santiago que estava meio a passos de tartaruga.
Passado
o momento do susto e da angústia, coloquei minha vida nos trilhos. Preenchi
minha mente com bons pensamentos e passei a encarar a situação de outra
maneira. “Ora bolas, o que tiver que ser,
será. Vou lutar, vou procurar um bom médico, fazer o que for preciso para
recuperar esse velho coração. Se eu escapar dessa, Glória a Deus! Se eu morrer,
morrerei feliz, sabendo que esse foi um propósito de Deus que me conduziu até
aqui com dignidade e felicidade”.
***
Segunda-feira,
22 de abril. Dia da Terra. Às 8h em ponto estou no Hospital Santa Genoveva
(Uberlândia) em completo jejum para fazer o cateterismo. Feito os procedimentos
iniciais, sou conduzido a uma sala de cirurgia com equipamentos futuristas
assustadores. O médico pergunta se eu já havia feito esse procedimento.
Respondo que será a primeira vez.
Fecho
os olhos e concentro-me para não sentir nenhuma dor ou inconveniente. Treinei
isso desde a juventude quando precisei tomar seis benzetacil, e tem dado certo.
Por volta das 11 horas, escuto a voz do médico: “Senhor José Luiz, tenho boas notícias. Não há nenhuma obstrução de
artéria. Seu coração está perfeito! Só uma veia que passa por dentro da aorta,
dando a impressão que está obstruída. Um pequeno ‘defeito’ de fábrica que não
compromete sua saúde. Você vai precisar de uma semana de repouso e depois vá
para casa. Abra um bom vinho e comemore.”
“Uma veia que passa por dentro da aorta”
– penso intrigado. Esse meu coração tinha que ser mesmo diferente! Ainda bem
que o médico não descobriu que é de pedra! Apenas um coração bobo! Ufa! Não
será dessa vez. Vida que segue. Vida plena e abundante.
Observação: o editor do blog ganhou vida própria e resolveu bagunçar a edição. Vai assim mesmo.