"Há males que vêm para o bem" (Dona Cota).
Por
José O. Zelão V. Reis - pedagogo
Do
grego, a palavra crise (crisys, crisol) pode ser traduzida
livremente por fogo ou acrisolamento (queimar).
De
vez em quando ouvimos a expressão prova de fogo quando
se quer fazer referência a uma situação difícil, complicada. “Esta é uma prova
de fogo”; “fulano está passando por uma prova de fogo”; “o casamento de sicrano
está sendo submetido a uma prova de fogo”. Tudo isto pode ser traduzido por: “está
em crise”. Mas o que tem a ver crise com fogo ou vice-versa? Vou tentar
explicar através de um exemplo simples que os garimpeiros artesanais entendem
muito bem.
Quando
o ouro é extraído em sua forma bruta, digo primária, ele vem misturado à terra
e a outros minerais inferiores e isto, na linguagem comum, está impuro, precisa
ser limpo, purificado; para tal, passa-se por um processo de acrisolamento,
de purificação que é feito através do fogo. O garimpeiro/artesão adiciona
azougue, uma forma de mercúrio e ateia fogo. Ao evaporar, o mercúrio separa o
ouro das impurezas, deixando-o limpo e em forma de pó, pronto para ser
trabalhado pelo artista. O ouro bruto passou por um processo de
acrisolamento (crise); o fogo evaporou, purificando-o, deixando-o melhor e
pronto para ser moldado e talhado conforme a inspiração e o gosto do artista.
Pensemos
na humanidade como uma joia bruta que precisa ser lapidada. Até onde alcança o
nosso conhecimento, a humanidade passou por diversas fases até chegar aqui onde
estamos e com certeza iremos muito mais além através dos nossos descendentes.
A
Bíblia, através do Gênesis, nos mostra o início da humanidade em sua forma
perfeita tal qual nós nos conhecemos hoje: um homem moldado do barro pelas mãos
do seu criador “à sua imagem e semelhança e recebendo Dele um sopro de
vida” e uma mulher extraída de uma das costelas deste homem “para
ser a sua companheira e a ele servir”. Detalhe: ambos nus,
sozinhos em um paraíso, apenas na companhia de uma serpente (muito fantasioso
para quem sabe que os seus ancestrais não tiveram vida fácil!). Deixemos, porém
em paz a memória de Adão e Eva e vamos direto para as cavernas.
Em
épocas remotas, os que hoje chamamos de seres humanos viviam em ambientes,
climas e situações muito adversas. Para passar à condição de bípedes até a
descoberta do fogo foram milênios de peregrinação – condição de nomadismo – e
guerras entre grupos na disputa por espaço, alimento e água – até chegar à
condição de sedentarismo. Ainda assim, depois de constituir civilizações, a
humanidade viveu séculos e séculos de barbáries, humanizando-se de fato muito
lentamente ao longo dos tempos e da história através da criação e consolidação
de instituições como família, religião, governos, direitos/justiça. Mas
entendemos que esta trajetória da humanidade não foi e não é um crescente ou
uma ascensão em linha reta; há muitas curvas, idas e voltas, subidas e descidas,
altos e baixos; tempo de plantar, de cuidar e de colher; tempo de paz e tempo
de guerra; tempo de bonança e tempo de crise.
Se
alguém tiver curiosidade e/ou interesse de conhecer um pouco da história do
Brasil, mesmo que seja a história mais recente, vai ver que seguimos o curso
natural da história da humanidade; e o que vivenciamos neste momento, dentro de
um contexto histórico e da conjuntura mundial, é mais uma crise que,
passageira ou prolongada – espero que passageira -, segue o seu curso. É bem
verdade que cada época tem o seu matiz, a sua coloração, a sua temperatura e
o seu grau de animosidade – é o ser humano querendo se sobrepor ao seu
semelhante; é uma classe social querendo se sobrepor a outra classe social.
Desde
a minha tênue infância até hoje – adulto, pai – tenho vivenciado e acompanhado
vários momentos da nossa história e me lembro vivamente de muitos detalhes:
gritos, xingamentos, brigas, traições, ânimos exaltados, prisões, torturas,
assassinatos, desaparecimentos, autoexílios, exílios forçados, lutas por
liberdade, “redemocratização e ascensão do povo ao poder” através de um
operário sem diploma universitário e de uma mulher ex-guerrilheira. O que houve
de errado nesse percurso? Se olharmos do ponto de vista da classe social que
saiu da condição de escravidão e semiescravidão para a condição de cidadão; da
condição de mendigo para a condição de trabalhador assalariado; da condição de
analfabeto para a condição de doutor; da condição de favelado para a condição
de morador em casa com piso e telhado, enfim, da condição de famélico para a
condição de bem nutrido nada de errado, é a evolução natural do homem e da
mulher em sua condição de ser humano. Porém, se olharmos do ponto de vista da
classe social que durante quinhentos e dois anos dominou o país e manteve sob o
seu domínio um povo escravo, analfabeto, favelado, desempregado e faminto está
tudo errado. Primeiro: na condição de colônia europeia, o
Brasil assumiu a condição de europeu – os filhos da oligarquia eram mandados
para estudar na Europa, fato que atrasou por séculos a criação de universidades
por aqui: filhos de pobre não precisam de escola, muito menos de universidade.
Como então aceitar que um nordestino pobre e negro, filho perdido de retirante,
semianalfabeto, ainda por cima operário do baixo clero vire Presidente da
República e “mande em nós?” Segundo: extremamente machista, o
Brasil nunca reconheceu o verdadeiro valor da mulher bem como o seu papel na
sociedade. “Lugar de mulher é na cozinha”; “mulher só presta para procriar e
cuidar dos filhos” entre outros adjetivos nada salutares e condizentes com o
real papel da mulher. Como então aceitar que uma mulher, ainda por cima uma
subversiva, ex-guerrilheira vire Presidenta da República e “mande em nós?”
Queiram ou não a mulher está ocupando o seu espaço em todos os setores,
inclusive no comando político do país, provando ser melhor, menos corrupta e
mais competente que os homens e isto fere o brio machista.
Leia a parte II nessa segunda, 11 de abril.
Um artigo que merece a devida atenção."
ResponderExcluirEu vejo o futuro repetir o passado
Eu vejo um museu de grandes novidades
O tempo não pára
Não pára, não, não pára." Cazuza,como vc sabe Zelao,já dizia isso,ou seja,quem não conhece o passado,não estuda a historia,esta sujeito a cometer os mesmos erros de seus antepassados.
Excelente... aquela mulher outrora, tirada das costelas, seduzidas pela serpente,apedrejada, queimada na fogueira por expressar seus sentimentos, suas vontades, seus desejos, hoje enfrenta a fúria machista no espaço político, econômico e social. E com a certeza de quem sempre administrou os desafios com sentimento, emoção, discernimento mas também com profunda razão, a mulher certamente mudará a história. Tal como fez com a cobra que a enganou, esmagando sua cabeça, fará com os que querem lhe impedir de conquistar seu espaço. Deixará as costelas e passará a ser a cabeça, o cérebro do Adão.
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