O CAMINHO DAS ESTRELAS: MISTÉRIOS, AVENTURAS E APRENDIZADOS NO CAMINHO DE SANTIAGO DE COMPOSTELA.
A pedido dos amigos, disponibilizo aqui o prefácio que acabou sendo um resumo do meu livro. Lançamento previsto para setembro. Uma pequena amostra para degustação.
PREFÁCIO
Todo
ser humano que sai à procura de alguma coisa já a carrega dentro de
si. Por isso que uma busca não é uma busca -- é uma revelação.
Como aconteceu a Cristo, que muito pregou -- mas só após a cruz
fez a ascensão. Ou com Buda, que tanto caminhou -- mas sentado é
que chegou à iluminação.
A
imagem da busca é a de alguém que segue um caminho. A realidade da
busca é a de um caminho que prossegue em alguém.
Mas
os caminhos -- de chão, de pedra..., existentes ou a se criarem --
são necessários. Pois o que eles são, feitos em terra, e como eles
estão, delineados em nossa mente, contribuem fortemente para
sensibilizar, energizar e motivar o ser para a jornada.
Os
bons caminhos raramente são fáceis. No percurso deles há sempre
obstáculos -- geralmente muitos, frequentemente grandes. O das
Índias, tinha o Atlântico. O de Ícaro, o Sol. O de Drummond, a
pedra.
O
caminho de Vieira -- o Luiz, professor, não o Antônio, padre –
tinha tudo isso e muito mais. Para Luiz Vieira, autor deste “O
Caminho das Estrelas”,
o problema não era o oceano (que ele venceu de avião), nem o sol
(que chapéu e protetor anteparavam) ou a multidão de pedras (de que
se desviava). O problema eram os “outros” problemas: o
desconhecido, a inexperiência, o(s) idioma(s), os costumes e até o
antinatural, quando não o sobrenatural... Sem falar nas ansiedades,
nas angústias, nas inquietações, no autoquestionamento (tipo “O
que é que eu estou fazendo aqui?”). E o que dizer dos sonhos e
pesadelos e das estranhas situações ou sensações de irrealidades
e pararrealidades, quando não se sabe se se está desperto ou se se
delira, quando não se sabe se pessoas e animais, ambientes e
cenários são coisas reais dentro de um sonho ou se são fantasias e
fantasmas dentro de uma realidade...
“Nenhum
homem é feliz sem um delírio de algum tipo. Os delírios são tão
necessários para a nossa felicidade quanto a realidade”,
reconhecia Christian Nestell Bovee, escritor americano. Não creio
que Luiz Vieira delirava quando, após ler um livro sobre o Caminho
de Santiago, prometeu-se a si mesmo percorrê-lo -- e, agora, muda
da condição de leitor para a de autor de uma obra compostelana.
Vieira
- ele mesmo escreve - queria aventura. Outros fazem o Caminho pela
História, pela Cultura, pela Mística, razões bem mais humanistas
do que as humanas esperanças e o pagamento de promessas ligadas a
dinheiro e poder, saúde e prazer; e bem mais pias que as caridosas
- e caras – indulgências com que, desde o século 3 “et
multa saecula”,
pecadores ganhavam oportunidade de reparar os males advindos de seus
pecados para, lá adiante, limpar a própria alma e ganhar um
terrenozinho no bem loteado Céu daqueles idos...
Se
era aventura o que inicialmente desejava Luiz Vieira, ele recebeu
muito mais. Parte desses ganhos ele guarda consigo; outra parte, e
não é pouco, ele a divide aqui com os leitores. Divide sua
ansiedade inicial, feliz, e os iniciais “tropeços” de primeira
viagem, porém firme no propósito, empedernido igual a “burro
xucro”.
O
livro conduz o leitor a vivenciar o Caminho a partir do frio de zero
grau nas montanhas franco-espanholas; a caminhar toda Zubire, uma
cidade de só duas ruas; a ver/ouvir o burburinho da trimilenária
Pamplona.
Mais
adiante, ficamos sabendo da pessoa do autor e da pessoa de outras
pessoas. Do autor, seus sonhos e sofrimentos; de outros, saberemos de
“Seu” Franco e sua sabedoria franca, seu sorriso franco.
Saberemos de “Seu” Paulo, fadiga e fome, pão e palavras.
À
medida que caminha, Luiz Vieira nos encaminha, empresta-nos seus
olhos, entreabre a mente, apresenta-nos de mais de perto quem ele
viu, conheceu, conversou pelo Caminho: por exemplo, nos deixa saber,
em Torres del Rio, de uma bruxa no quarto; da dor e redenção nas
histórias de Maria, 80 anos; de uma neoamiga neozelandesa.
Em
Azofra, apresenta-nos melancolia, desânimo... e Papai Noel.
Mostra-nos os pés muito feridos e relata uma cura inesperada. O
encontro com um espanhol bom de prosa. A catedral de Burgos, onde
Luiz concorda com a beleza da igreja mas, cabreiro, discorda do “pay
to pray”
(pagar para rezar).
À
medida que caminha, o autor mais no encaminha. Quando seus olhos
perscrutam o Caminho, eles nos dizem de natureza e vastidão, beleza
e solidão. Quando passa por lugares e se assenta em restaurantes e
bares, quando faz pouso em beliche coletivo ou repouso em cama
individual, quando se abanca em bancos de praças e ruas... de tudo
isso dá conta o olhar vieirano.
Mas
o radar humano do autor gosta mesmo é de emitir ondas emocionais,
permeáveis às cargas de energia e sensibilidade emanadas de gente.
É como se Luiz Vieira fizesse coro com Públio Terêncio Afro, poeta
e dramaturgo da Roma de 22 séculos atrás: “Sou
humano, e nada do que é humano me é estranho...”
E
é nas histórias humanas que o autor vai (se) desentranhando e
“desestranhando”. Luiz Vieira se junta a outro ser para com ele
sentir e para dele saber. E para nos contar colorida e doloridamente
da história de Lorenzo, em León, onde o autor vivenciou a
mendicância e por horas, entre uma esmola e outra, ouviu relatos de
uma vítima de crises econômicas além-Atlântico, crises que teimam
em tornar coletivas as dores que são vividas individualmente,
cotidianamente.
Outros
relatos levam a experiências com personagens misteriosos (que nem a
enigmática Ana, com seus exercícios e lições) e até o que não é
“persona”,
como o estranho cão no caminho de Palas de Rei.
Particularmente
sensível à beleza, Luiz Vieira se deixa levar e enlevar pelo que
lhe entra pelas vistas como imagens e lhe sai pelos dedos em
palavras: a simplicidade do quarto e catre onde ele dormiu e onde o
santo de Assis pode ter estado; o castelo de Gaudí, de 120 anos; a
tradição do ritual da queimada; e o alumbramento com a “imponência”
da catedral de Santiago de Compostela, onde abraços se deram e
lágrimas se derramaram ao som de hinos e cheiro de incenso.
*
Este
livro nos leva, literalmente, ao fim do mundo -- como o acreditavam
os viventes do século 15, tanto que deram o nome de Finisterra (“fim
da terra”) a um lugar para além de Compostela. O autor foi até
lá, e nos levou a esse fim -- que ele não é de deixar nada pelo
meio do caminho...
Há
muito se sabe que nem todo caminho leva a Roma. Diversos levam a
Jerusalém e alguns poucos verdadeiramente levam à maior das
distâncias e ao mais desconhecido dos destinos: o interior de si
mesmo.
A
partir de um caminho exterior, Luiz Vieira fez sua jornada mais
íntima. E chegou à Galícia, a Compostela, por uma das rotas mais
desafiadoras, oitocentos quilômetros a pé, começando na França,
nas faldas da cordilheira dos gelados Pireneus.
Não
são muitos os caminhos que levam a Santiago de Compostela.
O
mais novo deles é este livro.
Mais
novo -- e melhor.
Deixe-se
levar...
Edmilson
Sanches