Olá meus caros leitores. Tanto tempo sem postar nada aqui e resistindo as cobranças. De vez em quando é bom se ausentar um pouco para repensar conceitos e rever prioridades. E uma das minhas prioridades será mudar minha linha editorial. Deixar de escrever jamais, pois seria o mesmo que deixar de respirar.
Após o processo de formação em Coach Integral Sistêmico que passei, muitas coisas mudaram. Sinto-me mais confiante, renovado e apaixonado por essa nova profissão. Assim, minha escrita tem que ser mais útil e voltada para ajudar pessoas a crescerem e se desenvolverem.
Inicio oferecendo a vocês um pequeno trecho do meu livro sobre o Caminho de Santiago de Compostela que ainda não tem título. Ainda está em fase de conclusão e em dezembro será lançado para todo o Brasil.
Sente-se, relaxe e venha voar comigo. Boa leitura.
Um
papo reto com Ana
Eis a
questão. Você é águia e não pode fugir disso. Olhando para o horizonte você
enxerga o todo, enquanto as pessoas comuns olham apenas para baixo e sentem
medo, veem apenas as pedras.
-
Qual a razão de você sair do seu país e estar aqui caminhando nessa terra
estrangeira sem ao menos dominar a língua? – Ana perguntou-me, parando em minha
frente e olhando nos meus olhos deixando-me encabulado.
-
Não sei. Francamente não sei. Dias atrás, responderia que buscava aventura.
Agora já não sei mais o que busco – respondi desviando o olhar.
-
Não seja tímido meu bom peregrino. Busque no seu coração. Esqueça um pouco a
razão e pergunte ao seu subconsciente. Verás que você não veio se aventurar
aqui por acaso. Há uma força que moveu você até aqui e você terá que descobrir,
para que tudo isso tenha sentido.
-
Já passei por tanta coisa nesse caminho que nem sei mais o que é real ou o que
é ilusão – falo contendo o desejo de falar-lhe sobre os passos misteriosos que
me seguiam até ela aparecer. No fundo sinto medo de passar por ridículo ou de
descobrir que aquela mulher não passa de uma miragem, um fantasma em meu
caminho.
Desde
que encontrei-me com essa mulher de nome estranho, a qual chamo de Ana, passamos
a conversar como se fôssemos dois velhos conhecidos. Depois que ela me ensinou
a usar o cajado de forma correta e andar a passos curtos, sempre olhando para
frente, meu caminho tornou-se mais suave. Porém, o mais agradável foi a
conversa. Ana abordava diversos e variados temas com a autoridade e a segurança
de uma pessoa que já vivera mil anos. E o seu tom de voz não tinha nada de
arrogante e nem de intimidador. Falava com franqueza, com a sabedoria de uma
mestra, e através de perguntas diretas, deixava-me a vontade para expor meu
ponto de vista. Tive o desejo de caminhar sem parar ao seu lado até chegar a
Santiago de Compostela. Certamente, aprenderia muitas coisas e tornar-me-ia uma
pessoa melhor.
-
Às vezes meu amigo, o real e o ilusório se misturam em nossa mente só para
aguçar os nossos sentidos. Veja essa natureza! Isso se parece real para você?
Toda essa paisagem que estava coberta de gelo há poucos dias, logo estará
totalmente diferente, como uma ilusão de ótica. Essas folhas vão cair e um
calor sufocante substituirá esse clima frio. Isso lhe parece real?
-
Realmente, tudo isso parece loucura. É impressionante que já passamos milhões
de anos e os homens ainda não chegaram a uma conclusão sobre o autor dessa
obra. Cientistas estudados e referendados, religiosos e outros intelectuais
ainda divergem sobre as diversas teorias da criação – falo confuso.
-
Agora você está demonstrando seu lado filosófico – comentou lisonjeira. - Mas,
o mais importante não é ficar se perguntando quem fez tudo isso. A busca por
essa resposta já causou guerras sangrentas e inúteis em nome de Deus, já causou
sofrimento e intolerância a pessoas com boas e más intenções. O importante é
admirar e usufruir dessa obra tão perfeita que é a natureza. É respeitar e
preservar acima de tudo. O Deus criador está dentro de você, está nas suas
crenças, está nas suas virtudes. E essa fagulha divina faz com que você
respeite todas as formas de manifestações de fé e não veja apenas a sua como
verdadeira.
- Quanto
a isso, estamos de acordo. Também repudio qualquer forma de intolerância,
principalmente a religiosa. E sobre a sua pergunta sobre o que me trouxe ao
caminho, aos poucos estou descobrindo que busco a minha identidade. Já estou
próximo de chegar a meio século de vivência e às vezes sinto-me bem confuso
quanto a minha personalidade.
-
Explique melhor – instiga Ana interessada.
-
É que às vezes sinto-me um ET no meio das pessoas. Tudo o que aprendi sobre
valores humanos, sobre honestidade, solidariedade, ética, parece que não têm
nenhum valor hoje em dia. A impressão é que tenho que desaprender tudo para me
encaixar na realidade das pessoas e ser aceito pelo grupo – divago.
-
Sei como é isso. No meio de tantas imperfeições, no meio de tantas nulidades
temos a sensação de que estamos errados e que os tolos estão certos. Aí
sentimo-nos isolados, discriminados – destaca Ana com um semblante sério.
-
Por isso, muitas vezes pergunto se não estou errado e a maioria está certa. Sempre
que agi de forma correta, sempre que segui os parâmetros que acredito serem
corretos, consegui desagradar muito mais. Noto que as pessoas que vivem sob uma
ética mais subjetiva, que aplicam o famoso, como se diz no meu país, o
“jeitinho brasileiro”, os que cometem alguma irregularidade, conseguem agradar
mais e agregar mais pessoas.
-
Bem-vindo ao clube Luiz Vieira. Você não é o único que se sente assim e não
será o último. Em uma sociedade construída sob a ótica do “ter” e que ignora o
“ser”, pessoas como você terão que pagar o preço. E tenho certeza que você
sempre pagará, pois, por mais que tente, não conseguirá ser outra pessoa.
Duvido que descobrirá após trilhar o Caminho de Santiago que deve se tornar
mais um medíocre só para se encaixar na sociedade!
-
É isso que pergunto-me o tempo todo Ana. Fico confuso e achando que não vale a
pena pensar e agir corretamente e ao mesmo tempo desagradar a tanta gente –
questiono indignado.
-
Como disse, você não é o único e nem será o último Luiz. Sem querer fazer
nenhuma comparação lembre-se de Nelson Mandela, Martin Luther King, Sócrates, Tiradentes
(no seu país), Jesus e o próprio São Tiago e tantos outros. Eles viveram em
conflitos e foram perseguidos e mortos por serem pessoas que pensavam além do
seu tempo. Se eles tivessem se acovardado e recuado como muitos fazem, a
história não seria a mesma.
-
Mas eu não quero ser herói e nem mártir – protesto assustado com a dimensão.
-
Essas pessoas que eu citei também não queriam. Suas mortes foram apenas frutos
da intolerância, da ignorância, da estupidez. Foram vítimas do contexto
histórico de suas épocas. No entanto, percebe que elas nunca morreram?
Continuam vivas em nossos pensamentos e influenciam o comportamento de várias
gerações. Ao contrário daquela gente que matou seus heróis e continuam matando
até hoje, e não passam de cadáveres andantes, de gente morta que fala, que anda
e que respira um ar fétido.
-
Isso quer dizer que vivemos entre mortos?
-
De certa maneira sim. Só que temos uma missão de trazer esses mortos à vida, de
proporcionar o milagre da ressurreição todos os dias. E esse milagre acontece
exatamente quando homens e mulheres como você têm a coragem de difundir ideias,
pensamentos novos, de promoverem a transformação, de se inquietarem com as
injustiças, de se rebelarem contra a hipocrisia, de buscarem a paz verdadeira.
Essa é a nossa missão mais bela e contraditória – esclarece Ana sempre com uma
aura de sensatez.
-
Contraditória? Como assim? – pergunto confuso.
-
Exatamente. Nós precisamos ressuscitar os mortos e os mortos querem continuar
mortos e acabam nos engolindo – fala de uma forma enigmática enquanto me puxa
pelo braço para um desvio no caminho que leva à beira de um precipício. Para
perigosamente bem próximo a um despenhadeiro e me pede para que eu observe atentamente
o horizonte sem olhar para baixo. Não resisto, olho para baixo e sinto
vertigem. Ana segura meu braço com mais força e ordena vigorosamente: - Eu
disse para não olhar para baixo. Olhe apenas para frente.
Concentro-me
e fixo os olhos no horizonte. Aos poucos vou relaxando e esqueço o medo. No
início, pensei na possibilidade de ser empurrado ali por aquela estranha. Agora
sinto a confiança na mão que segura fortemente meu braço esquerdo e entrego-me
completamente àquela sensação.
-
Agora feche os olhos Luiz. Solte sua respiração e procure enxergar o que viu
antes, só que agora com os olhos fechados – ordena num tom solene.
Obedeço
e concentro-me nesse exercício. No início não consigo ver nada além da
escuridão. Aos poucos, aquela imagem vai aparecendo em minha cabeça, só que de
outro formato. É como se eu estivesse assistindo a um filme em três “D”. Vejo
uma cadeia de montanhas, algumas plantações, algumas casas ao longe, bosques
coloridos e uma trilha que se parece uma linha disposta em caracol.
-
Pode descrever o que está vendo Luiz? – pergunta Ana numa voz branda.
Descrevo
em detalhes a bela paisagem que consigo visualizar.
-
Agora abra os braços – ordena enquanto solta meu braço esquerdo. – Sinta o
vento batendo em seu corpo. Continue com os olhos fechados e voe por essa
paisagem.
Meus
pensamentos voam e sinto meu corpo flutuar. Meus pés continuam firmes no chão à
beira daquele precipício, mas tenho a sensação de estar planando, vendo tudo
de cima, indo em direção ao infinito. Não sei por quanto tempo voei, mas sei
que foi a melhor sensação que senti e queria continuar com aquela viagem.
Voltei à realidade quando Ana segurou novamente meu braço e puxou-me para trás.
-
Você me descreveu uma bela paisagem enquanto voava. E agora, olhe para o chão e
diga-me o que vê.
-
Vejo apenas pedras e uma paisagem árida.
-
Eis a questão. Você é águia e não pode fugir disso. Olhando para o horizonte
você enxerga o todo, enquanto as pessoas comuns olham apenas para baixo e
sentem medo, veem apenas as pedras – fala com um sorriso iluminado.
-
Sou águia – repito convencido.
-
Sim. Alce sempre seu voo, mas não com o objetivo de enxergar as coisas de cima
para baixo, mas para enxergar o todo, o conjunto. Assim, cada vez mais
desenvolverá sua capacidade, seu autoconhecimento, e aprenderá a conviver com
as diferenças. Não adianta querer ser como quem vive na superfície da
mediocridade que você não vai conseguir. Você é o que é – sentenciou.
-
Isso quer dizer que eu não posso mudar? – pergunto confuso.
-
Claro que pode. Somos seres em constante mudança. Até a natureza muda, se
transforma a cada segundo. Imagine nós que somos parte dessa natureza! Mas
observe que mesmo com as constantes transformações, a essência da natureza é, e
sempre será a mesma. Mesmo tendo que se adaptar às condições climáticas, uma
árvore sempre utilizará suas raízes para absorver os nutrientes e para se fixar
à terra. E isso nunca muda, pois essa é a sua essência. Se não fosse assim, não
seria árvore.
-
Isso é muito profundo Ana. Nunca tinha ouvido ou pensado em tal reflexão. Mas
convenhamos, é muito difícil e doloroso ter visão de águia em terra de cegos.
-
Com o tempo você vai aprendendo a assumir essa posição até que não será mais
doloroso. Se contente com um passo de cada vez, seja menos rigoroso consigo
mesmo, tenha mais paciência com as pessoas que não nasceram com o privilégio de
enxergar como as águias. E lembre-se: você é o que é e os outros são o que são.
Com um pouquinho de paciência você vai irradiando sua luz e vai ajudando a
ressuscitar muitos “cadáveres” – fala puxando-me pelo braço de volta ao
caminho.
Caminhamos
por alguns minutos em silêncio. Depois tive o pressentimento de que aquela
mulher não ficaria muito tempo comigo. Então resolvi explorá-la mais um pouco e
extrair todo o néctar do conhecimento. Conversamos longamente sobre vários
assuntos, os quais prefiro guardar comigo, ou quem sabe, divulgarei daqui a
alguns anos, quando sentir que minha geração estará mais preparada. Por enquanto,
guardo seus ensinamentos e aos poucos vou digerindo. Sou águia e não posso
fugir dessa missão, por mais que não seja compreendido.
Enfim,
nossa caminhada chegou ao fim numa encruzilhada do caminho, próximo a
Ponferrada onde nos despedimos. Sigo sozinho, mas com a sensação de que Ana
sempre estará comigo. De vez em quando escuto sua voz me dando conselhos ou
toques.