A casa da
família Over estava impecável. A atmosfera natalina era notável à distância
naquela suntuosa mansão localizada numa área nobre na zona oeste da cidade. A
iluminação era composta por cerca de quatrocentos mil micro lâmpadas de led
onde o prateado dava o tom. Várias estátuas de papai Noel de todas as formas
estavam postas em lugares estratégicos do imenso jardim florido, e um trenó
gigante atrelado a seis renas parecia voar sobre o telhado, num efeito pra lá
de psicodélico. Tudo muito perfeito! Até uma máquina jogando flocos de espuma
gelada simulava neve naquele clima de 28 graus.
No interior
do casarão uma decoração cuidadosamente preparada por um renomado decorador da
capital dava a impressão de se estar no salão de festas do Palácio de Buckingham. A música da noite foi cuidadosamente selecionada
para transmitir a todos o clima de Natal e a harmonia cósmica. A mesa servida
fartamente foi toda organizada pelo renomado chef Wild que trouxe a culinária
mediterrânea com um cardápio variado capaz de atender a todos os gostos. Uma seleta
carta de vinhos e champanhe foi organizada para não deixar faltar bebida.
A senhora Fernanda Over estava
radiante naquela noite. Vestida com um longo vestido prateado vindo de Nova
York exclusivamente para a ocasião, mostrava um corpo escultural bem entalhado.
Gabava-se sempre de nunca ter tido filhos para manter sua beleza natural,
apesar das súplicas do seu marido. Mulher detalhista e vaidosa fazia de cada
festa um acontecimento social. Na noite de Natal não poderia ser diferente. Sempre
com a Suzy (sua cachorrinha de estimação) no colo, gritava ordens para todos e
exigia sempre que tudo estivesse acima da perfeição. Antes de autorizar a
equipe montar a mesa, checou pessoalmente cada prato, cada talher, cada taça, e
até a textura dos guardanapos de linho branco. Apesar de ser de família pobre e
morar na periferia antes de se casar com o senhor Paulo Over, aprendeu rápido
as convenções sociais e tomou gosto pelo requinte. Quem não a conhecesse, seria
capaz de jurar que teria vindo de alguma família nobre da Europa. Seu passado
pobre era um detalhe que madame Fernanda fazia questão de esconder, por isso,
seus antigos amigos e familiares não eram bem vindos na mansão. “Gente grossa,
mal educada e insuportável”, - resmungava sempre que cruzava acidentalmente com
algum. Para suas novas amigas, madame Fernanda era uma perfeita dama. Caridosa,
frequentava sempre o culto dominical e periodicamente fazia caridade. Usava
sempre sua rede social para espalhar mensagens de cunho religioso e deixava
sempre registrado seus protestos contra a corrupção, contra a fome no mundo e,
principalmente em defesa da família tradicional e a moral cristã.
O senhor Paulo Over estava resignado
em seu escritório aguardando a convocação da senhora Fernanda para a ceia natalina.
Não era muito chegado àquele ambiente agitado que se tornava os preparativos
para um evento, e sempre se retirava para a privacidade do seu bunker que se
tornara o escritório. Vestia um terno preto que foi cuidadosamente preparado
pela senhora Fernanda e os cabelos grisalhos penteados para trás mantinha um
brilho prateado, mas não escondia os seus cinquenta e dois anos que completara
recentemente. Era um homem de estatura
mediana, corpo atlético que procurava manter com a prática de tênis e até
cultivava uma certa vaidade. Jogado na sua poltrona de couro próximo a janela
do seu escritório, bebericava uma dose de whisky sem gelo enquanto olhava a iluminação
do jardim completamente entregue aos pensamentos sobre sua vida.
Dr. Paulo como era chamado na
formalidade do trabalho se orgulhava do seu passado, ou melhor, de quase todo o
seu passado. Nas rodadas de conversa íntima, sempre dava destaque ao fato de ter
vindo de baixo, de ter construído com as próprias mãos cada tijolo de sua vida
e de nunca ter cometido uma injustiça sequer. Realmente, a história do dr.
Paulo daria um bom filme. Sendo o filho mais velho de uma família pobre e
numerosa, carregou a responsabilidade de cuidar de todos, pois seu pai ficou
inválido num acidente na construção civil. Aos sete anos já ajudava no sustento
de casa engraxando sapatos e vendendo bolo que sua mãe preparava. Logo estava
na construção civil com o pai trabalhando de ajudante de pedreiro.
Com muito esforço e incentivo da
mãe, Paulo se formou em engenharia civil aos 28 anos, quando já era pai de três
filhos. Com quarenta e cinco anos de idade já era um homem rico dono de uma
próspera construtora que crescia a cada dia com o faro que ele tinha para os
negócios e com a explosão do mercado imobiliário. Sua primeira esposa – Tereza – que já havia lhe
dado cinco filhos, cuidava da administração da casa e da educação dos filhos,
além de ajudar o marido nos negócios. Os dois cresceram juntos, e mesmo com
toda a riqueza acumulada, viviam numa casa modesta e levavam uma vida simples.
Nem Tereza e nem Paulo gostavam de ostentação e preferiam uma vida discreta e
segura com os filhos. Viviam felizes até que...
Numa festa da convenção da empresa
OVER Construtora e Administração Imobiliária os olhos do senhor Paulo Over
cruzaram com os da estagiária bonita e estonteante que circulava pelo salão. Não
pararam de se olhar como se estivessem hipnotizados. Mesmo com toda timidez,
chamou-a para dançar. Descobriu que sua deusa se chamava Fernanda, vinte anos
mais nova e trabalhava como estagiária na sua empresa há três meses.
Em menos de um mês após aquela festa
da empresa, dr. Paulo já havia se mudado para um flat onde passou a viver com a
Fernanda. Com menos de um ano, por exigência de sua nova esposa, já estava
instalado naquela luxuosa mansão, onde mudou completamente seu estilo de vida.
Essas lembranças dançavam em sua
cabeça enquanto continuava ali na sua poltrona completamente entregue aos
pensamentos. Olhou para o relógio da parede e viu que já marcava vinte e uma
horas. Logo a dona Fernanda o chamaria para recepcionar os convidados. Queria
que essa hora nunca chegasse. Voltou aos seus devaneios e se lembrou dos natais
passados, de sua infância pobre e feliz, da mesa simples e acolhedora, das
missas do galo e das orações natalinas. Lembrou dos presentes que ganhara na
infância e achava que eram trazidos pelo misterioso papai Noel. Achava que seus
carrinhos de plástico eram os mais legais do mundo. E a ceia de Natal! Aquele
frango assado com farofa e salada de tomate era a coisa mais deliciosa da vida.
“Quando eu ficar rico vou fazer um banquete desse para os pobres e dar muitos
presentes para as crianças carentes em todos os natais”, lembrava dessa
promessa da juventude. Lembrou da infância dos filhos e chorou. Por um capricho
de sua nova esposa, teve que se afastar completamente de sua família. “Aquele
bando de bregas só quer sugar o que é seu e tomar você de mim” - falava a
Fernanda em seus ataques de ciúmes.
Um toque nervoso na porta de mogno
do escritório e um grito estridente fez o dr. Paulo acordar do sonho e voltar à
realidade. “Desça rápido amor. Os nossos convidados já começaram a chegar”. Paulo solveu o restante do whisky em um só
gole, ajeitou a gravata e desceu para a sala que já estava ocupada com os
primeiros convidados. Cumprimentou a todos com a mesma educação de sempre.
Colegas empresários, as novas amigas de sua esposa com seus maridos ou
acompanhantes, representantes do governo, membros de instituições de caridade,
políticos, e outras figuras que formavam um caldeirão da mais fina flor da
sociedade. Todos vestidos impecavelmente e radiantes por estarem ali no
endereço mais cobiçado da cidade.
A madame Fernanda não cabia em si de
felicidade e orgulho. Todos os seus convidados estavam ali. Mesmo com a
insistência do seu marido, sua família mais uma vez ficara de fora. “Amor, eles
nem vão saber segurar os talheres”, argumentava Fernanda. Paulo olhou em volta.
Mesmo com a multidão que ocupava sua sala sentiu-se só. Aqueles rostos eram
todos estranhos, no máximo se esbarravam nas reuniões de negócios ou nos
encontros sociais que participava de vez em quando para atender aos apelos da
Fernanda. Sentiu falta dos amigos, dos seus funcionários, e, principalmente,
sentiu falta de crianças. “Que gente vazia! Será que não tem filhos ou apenas
os escondem?” – pensava Paulo enquanto sorria e acenava mecanicamente para os
convidados.
De repente ouviu o tilintar de uma
sineta de cristal. A dona Fernanda na porta do salão de gala convidava todos
para entrar e ocupar seus lugares à mesa. Fez um longo discurso agradecendo
efusivamente a presença de todos e finalizou desejando um feliz Natal. Passou a
palavra para o dr. Paulo. “Amor, agora é com você”. Um silêncio sepulcral tomou
conta do salão. Paulo sentiu vontade de convidar a todos para uma oração. “Melhor
não. Esse povo nem deve saber rezar” – pensou. “Mas como vou comemorar o
aniversário de Jesus sem ao menos falar o nome do aniversariante?” Sentiu um
beliscão de sua mulher e uma ordem ao seu ouvido: “anda logo! Diz qualquer
coisa!”
Paulo pigarreou nervoso e começou a
falar.
“Senhores, senhoras, peço perdão se
o que vou falar não é do agrado de vocês. Não sou muito bom com as palavras.
Nessa noite comemoramos o aniversário de Jesus, do nosso salvador, e não seria
justo ignorá-lo. Todo esse luxo, toda essa mesa farta não condiz com o nosso
aniversariante que nasceu numa manjedoura junto com os bichos. Ainda bebê foi
obrigado a fugir com os seus pais para garantir a sobrevivência. Viveu no meio
dos pobres e nos ensinou a ter humildade e compaixão”.
Notou-se um olhar constrangido entre
os convidados e a Fernanda implorando nervosa para ele parar de falar. Paulo
continuou:
“Já vi muitos de vocês na igreja,
nos chás de caridade e ações filantrópicas. Mas nada disso tem importância se
não seguirmos o que Jesus nos ensinou. Nada importa se não amarmos os nossos
semelhantes independente de sua origem, sua classe, sua cor ou religião. Vejo
que aqui tem muita gente importante, mas falta o essencial: o amor verdadeiro.
Sinto falta dos meus filhos que abandonei, sinto falta nessa mesa dos meus
empregados que tanto contribuem com minha riqueza. Sinto falta de gente! Não posso
participar disso. Não quero ser um hipócrita, não quero ser como um sepulcro
caiado. Não estou aqui julgando e nem condenando ninguém. Apenas quero um Natal
mais cristão. Meu coração pede isso! Peço licença para me retirar.” E assim
Paulo saiu de casa sob os olhares atônitos dos convidados.
Paulo entrou no seu carro e saiu sem
destino. Num bairro da periferia, deixou o veículo na rua e continuou a pés.
Sua cabeça girava e andava como se estivesse em transe. Alguma força estranha
guiava seus passos e ele continuava, mesmo sem saber para onde ir. De repente
viu uma movimentação que lhe chamou a atenção. Na rua uma fila enorme com gente
simples e muitas crianças. Um grupo estava distribuindo sopa e brinquedos para
as crianças. Sentiu ali o verdadeiro espírito natalino e resolveu fazer parte
daquela festa. Aproximou-se e teve a melhor surpresa de sua vida: sua ex-mulher
Tereza e seus cinco filhos estavam ali coordenando aquela ação. Criou coragem, se aproximou e pediu para que
deixassem abraça-los. Se envolveram num abraço tão verdadeiro, tão fraterno e
tão contagioso que quando perceberam, todos estavam se abraçando na rua.
O dr. Paulo que era muito influente,
deu alguns telefonemas e de repente, estava formado ali no meio da rua um
grande banquete com milhares de presentes para a criançada. Sentiu novamente
seu coração bater, sentiu que estava vivo verdadeiramente e, experimentou o
verdadeiro espírito natalino.
Lindo Luis!!! Ontem na ceia li para minha família. Todos ficaram emocionados. Pir coincidência minha mãe se chama Terezinha e tem uma história parecida. Nosso pai estava conosco e chorou muito.
ResponderExcluirBoa noite Luiz. Apesar de ateu, estou emocionado com seu texto. Saúde meu caro, é o que de melhor posso lhe desejar sempre. Um abraço fraterno.
ResponderExcluirLidio José Oliveira
Bom dia Luiz,
ResponderExcluirHoje amanheci com uma imensa vontade de escrever pra você, depois de ter matutado por varias horas. Contar a você que, apesar de nunca termos sentado em uma mesa pra batermos um longo papo, fico a espera de suas colunas como se fossemos velhos amigos, e, ao ler sua coluna, sento como se você estivesse contando a mim, as coisas que acontecem em nossa cidade, e se não tivesse ido até você, não saberia. Acho que outras pessoas também desenvolvem este sentimento. Este mesmo sentimento também sinto em relação ao Demerval Moreno ao ouvir seu Programa matutino, em uma radio da cidade; Fico a espera do programa começar como se estivesse esperando um velho amigo que, tem mais possibilidade de obter informações do meio político do que eu, e marcou um horário na sua agenda para contar me.
Algumas vezes sinto uma imensa vontade de perguntar a amigos se sentem o mesmo.
Dito isto, vou agora ao ponto que despertou minha vontade.
Luiz, sempre fico imaginando por que os meus comentários dificilmente são colocados no blog, e fiquei imaginando os motivos. Cheguei a enumerar alguns, os quais exponho abaixo:
- Cor da pele: impossível. Como já citei antes, já o vi varias vezes, e talvez você também me tenha visto, mas nunca tive o prazer de ser apresentado a você.
-Rastafári: Dificilmente. Apesar de poucos, num universo de 200 mil habitantes, só conheço outro rasta em Parauapebas. Um pra cada 100 mil. Seria como achar uma agulha num palheiro.
-Escolaridade: Há possibilidades. Pois, apesar do meu esforço em ter uma escrita, para que, quem a leia, compreenda o que exponho, tive oportunidade a duras penas de ir ate a 8ª serie do primeiro grau na gloriosa Escola Estadual de Primeiro Grau “Paulo Maranhão” no período noturno. Já que, no período do dia, exerci varias atividades para ajudar assim, como minha irmã, nas despesas domesticas. Minha adolescência foi vendendo bugingangas na feira do Guamá e jornais no terminal rodoviário, ate conhecer o Armando Portugues, dono de uma loja de auto peças e posto de gasolina na rua Alcindo Cacela próximo da Governador José Malcher, que me contratou como auxiliar de vendas na loja.
Deixei a loja do Armando somente após realizar o sonho de tirar minha habilitação, em 1980. E por conta dessas atividades, não foram poucas as vezes em que fui sacudido pelos colegas de classe. Sendo assim, não posso me considerar um esperto em redação.
-Sinceridade: 100% de chances. Pois vejamos: O ministro Rubens Recupero foi de fenestrado de seu ministério ao ser pilhado na mais pura sinceridade governamental, ao proferir que: “eu mostro o que é bom. O que não é, eu escamoteio”.O vereador Odilon Rocha, num raro momento de sinceridade fora de seu circulo de bajuladores e ainda por cima na tribuna da câmara, espalhou aos quatro cantos do pais, o que eu e você estamos fartos de saber.
Sim, talvez tenha sido a minha sinceridade em falar o que penso e o vejo, que tenha levado o meu caro amigo Luiz não publicar minhas escritas. Mas vou deixar com você a palavra final. Se não quiser publicar esta, não e necessário. Mas se quiser responder diretamente a mim, e mande um e-mail para negolidio@hotmail.com.
Luiz, feliz ano novo. E muita saúde pra realizar seus projetos e continuar nos informando sempre.
Um abraço
Lidio José Oliveira
Olá Lídio. Em primeiro lugar, fico grato e lisonjeado por ser um leitor e apreciador dos meus textos. Pelo jeito que você se expressa, percebo que é de uma rara inteligência. Será um prazer conversar pessoalmente com você. Quanto aos seus comentários que não são publicados, não sei o motivo. Procuro publicar todos, mesmo os que são críticos ao nosso pensamento. Procuro valorizar as idéias contraditórias, pois acredito que assim evoluímos. Alguns comentários sou impedido de publicar por recomendação jurídica. Qualquer coisa que fere a honra e a moral do indivíduo ou que contenha palavras ofensivas é descartado. Tenho que ter muito cuidado pois meu blog é monitorado 24 horas por dia e algumas figuras estão com a faca nos dentes para me processar. Seus comentários provavelmente foram verdadeiros e francos, mas deviam conter alguma palavra censurada. Exemplo: "vereador piu-piu é um pilantra e ladrão". Mesmo sendo a mais absoluta verdade, mesmo contra a minha vontade, tenho que censurar.
ExcluirQuando quiser marcar um bate-papo, é só marcar por e-mail. luizvieira2006@yahoo.com.br
... E de repente o sonho acaba, aí começa tudo outra vez.
ResponderExcluirAinda assim, que o ano novo seja melhor que o ano velho. Com saúde já estará de bom tamanho.